quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Comentário ao artigo "ex-serviçais cabo-verdianos das roças em São Tomé e Príncipe sentem-se abandonados", de Augusto Nascimento


Por: Jerónimo Xavier de Sousa Pontes

Confesso que ainda não adquiri a obra, facto que poderia prejudicar uma análise mais ajustada às preocupações do autor. Entretanto vou tentar cingir-me aos factos, resumidos no Jornal cabo-verdiano, Voz di Povo-Online.com.

A imigração cabo-verdiana para S. Tomé e Príncipe é tida, do meu ponto de vista, como uma imigração forçada, na perspectiva analítica de António Carreira, na sua obra Migrações nas Ilhas de Cabo-Verde.
Sendo forçada essa emigração, tal como a escravatura, há aspectos, do ponto de vista social e humano, cujos vestígios levarão muito tempo a apagar.

A história da emigração cabo-verdiana não pode ser contextualizada, à parte, da dos angolanos, moçambicanos, forros ou dos angolares. De qualquer forma, há uma nítida preocupação do autor em chamar a atenção das autoridades portuguesas sobre a sua irresponsabilidade política, económica e social face à situação. É que quando Augusto Nascimento, segundo Voz di Povo, refere que os cabo-verdianos foram “abandonados”, pergunto: por quem? Não terão ido a São Tomé e Príncipe na condição de cidadãos portugueses, da então província portuguesa de Cabo-Verde?

O que o Primeiro-Ministro de Cabo-Verde, de Angola e de Moçambique devem fazer, estou a opinar, se tiverem audácia política para tal, é instruir o Ministério Público dos respectivos países, no sentido de todos os cabo-verdianos, angolanos, moçambicanos e mulatos não reconhecidos pela entidade paternal portuguesa e os respectivos descendentes, serem reconhecidos cidadãos portugueses e concomitantemente, ressarcidos de todos os anos de sujeição em São Tomé e Príncipe a que estiveram obrigados.

Eu tenho lido muitas preocupações levantadas por Seibert sobre este assunto, rebuscadas em A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER SÃO-TOMENSE: COLONIALISMO, SOCIALISMO, LIBERALISMO E A PERSISTÊNCIA DAS DESIGUALDADES SOCIAIS, de Marina Padrão Temudo e Alexandra Arvéola, “no âmbito do projecto A desintegração das sociedades agrárias africanas e o seu potencial de reconstrução”.

As questões, por estes autores levantadas, ilustram bem o tipo de sociedade que se instituiu em São Tomé e Príncipe, no período pós-colonial. Entretanto discordo do facto de os forros serem acusados de usufruírem de tudo, deixando os outros grupos étnicos na pura marginalidade e miséria. Por isso temos um grande problema a resolver. Em primeiro lugar, o forro não é uma raça. É uma fusão de várias raças e na medida em que se sai das roças e se se embrenha no mundo das cidades, perde-se a estigmatização. O exemplo mais paradigmático desta situação, é a ascensão de um novo grupo sócio-económico, os candongueiros, comerciantes informais. Aí não se distingue o forro do angolar do cabo-verdiano, do mulato, do homem, da mulher. Aí o que fala é a voz do negócio.

Os antigos serviçais foram e estão a ser “abandonados” por uma cultura civilizadora baseada em corrupção dos antigos colonos. Senão vejamos: não sendo rentáveis as roças dos forros, outros até nem glebas tinham, aonde iriam estes buscar os muitos sacos de cacau para vender? Quem lhos comprava? Não eram os comerciantes “brancos” que compravam os contrabandos de cacau e outros produtos provenientes das roças de outros “brancos”?

Demagogicamente, não terão os colonos atribuído aos antigos serviçais cabo-verdianos o “Estatuto de Europeus da Segunda Classe” e simultaneamente terem ensinado aos forros que todos quantos chegavam de vapor eram gabões, gente de nível baixo, indígenas, etc.?

Sabem como chegavam e como eram tratados os tais europeus de segunda pelos patrões?

Na roça Praia-das-Conchas, sede, do Dr. Osório Pinto, em 1967, o meu pai era na altura enfermeiro guarda-livros e responsável pelo armazém. Tinha ordens expressas para dar aos contratados o rancho, já em estado de deterioração. Mas nos dias de visita da curadoria, mandavam esconder os ranchos podres, dando a entender que a roça só dava aos contratados comida em bom estado. Felizmente não assimilei esses ensinamentos do colonialismo.

E os cabo-verdianos que chegavam recentemente, inadaptados ao clima tropical, não era o meu pai quem lhes arranjava os internamentos no hospital, pondo até em risco o seu posto de trabalho? Sabem a que horas saíam do terreiro, sob chuva, de manhã à noite? Sabem quantos morriam? Alguma vez lhes atribuíram galochas ou chapéus-de-chuva?

Na perspectiva de Augusto Nascimento[1], os descendentes cabo-verdianos são cerca de 10 000. Na amostra não foram incluídos os nomes sonantes da política são-tomense como aos do Dr. Carlos Monteiro Dias da Graça, filho de Pai são-tomense e de mãe cabo-verdiana (ocupou várias pastas ministeriais incluindo as do 1º Ministro e candidato Presidencial); O DR.Celestino Rocha da Costa (exerceu várias pastas ministeriais, incluindo a do 1º Ministro); O DR. Guilherme Pósser da Costa (irmão do Dr. Celestino Costa, ocupou várias pastas ministeriais, incluindo a do 1º Ministro, Ex-candidato Presidencial do mlstp/psd); a Dra. Célia Pereira (filha do Dr. Pósser da Costa, foi Secretária-de-Estado); Vítor Monteiro, o meu conterrâneo de Lobata (é um Coronel das Forças Armadas, ex-candidato presidencial; assessor do Presidente da República); a ex-ministra Cristina Dias (foi ministra da Economia), etc., etc., etc. E, se formos às direcções e serviços, empresas, etc., vamos encontrar médicos, enfermeiros, directores, professores, políticos, directores de projectos, militares e polícias. Será que todos eles se transformaram em forros e estão a promover a desgraça dos seus irmãos nas antigas roças coloniais?

Quem tinha a responsabilidade de repatriar os contratados, em tempo contratualmente estipulado, não eram os colonos? Não havia em São Tomé um organismo criado pelo governo colonial para a defesa das causas dos serviçais, a Curadoria? É óbvio que, como são-tomense, houve, no passado, laivos de preconceitos em relação aos outros grupos étnicos, por razões historicamente conhecidas.

Conselhos aos líderes políticos são-tomenses

Tendo sido os cabo-verdianos e outros grupos étnicos “abandonados” em São Tomé e Príncipe pela política colonial de não repatriamento, deverá ser accionado, penso, o mecanismo da atribuição de uma Pensão de Sobrevivência da CGA Portuguesa (art.º 2020º do Código Civil).
Resolvam definitivamente a situação das antigas roças coloniais e dos agricultores
Criem um serviço de deslocação dos técnicos da segurança social, quer para procederem ao pagamento das pensões de Reforma aos que têm direito, quer de uma equipa constituída por médicos e outros agentes sanitários, a fim de prestarem ajuda médica e medicamentosa grátis aos utentes.
Elevem as antigas roças e respectivas dependências ao estatuto de vilas e aldeias. Que seja levando a estes sítios escolas, estradas e indústrias e outros serviços a fim de se minimizar a distância entre o litoral e o interior

Constatação

Vivi, cerca de 9 anos em Cabo-verde. Os cabo-verdianos vividos em São-Tomé e Príncipe, e os respectivos filhos, sem qualquer sombra para dúvidas, são culturalmente cabo-verdianos e são-tomenses. Sofrem, como qualquer são-tomense, as desgraças de são Tomé e Príncipe. Houve casos de inadaptação (agora uma espécie de “crime” na função pública portuguesa), que, mesmo na pobreza em São-Tomé e Príncipe, alguns até regressaram. Cabo-verde de que se quer falar, em comparação com o feudalismo são-tomense da actualidade, já não tinha espaço para os “retornados”, sobretudo em resposta à auto-suficiência alimentar. O obstáculo primeiro era a água e o segundo eram as altas habilitações literárias para competirem no mercado de trabalho. Os que lá conseguiam ficar, tinham as habilitações adequadas ou terão recebido, ad aeternum, ajudas dos familiares na diáspora, do Estado e das igrejas.

Conclusão

Os antigos serviçais de São Tomé e Príncipe e os são-tomenses pobres, no geral, ou ricos como qualquer são-tomense do mesmo escalão social sofrem os mesmos efeitos da crise. Cabe aos Estados minimizarem esses problemas com políticas visando o bem-estar comum.
[1] Augusto Nascimento foi meu professor de História no curso extraordinário nocturno, no 11º Ano, um ex-libris da cooperação portuguesa em São Tomé e Príncipe, devo-lhe o meu espírito crítico e um grande ódio pela corrupção e pelos corruptos.

domingo, 7 de setembro de 2008

As mãos pesadas de Deus (Dĕus ou dĕus, ĭ (a divindade)) na actual economia mundial



Por Jerónimo Xavier de Sousa Pontes

In manibus est victoria
segundo Cíc, a vitória depende de vós!

Todas as teorias económicas falharam. Todos os programas, dos mais ambiciosos até os agora concebidos, falharam. Todos os eminentes cientistas de contas e previsões estatísticas falharam. As mais credíveis universidades do mundo também falharam.

Na guerra, os meios tecnológicos, dos mais arrebatados, nas mãos dos cientistas militares, não lhes estão a servir de nada. Os soldados da NATO caem, condoidamente, diante duns esfarrapados mas determinados talibãs. As melhores e maiores economias do mundo estão impotentes perante as mãos pesadas da natureza que arrombam os diques e devastam tudo quanto encontram pela frente: casas, carros, campos de cultivo, animais…!

Perante o tempo das vacas magras, um Estado rico nega protecção social ao seu cidadão, em nome de negócios. Num só dia, ironicamente, esse mesmo Estado perde milhões de euros no negócio dos petróleos. As economias europeias e americanas estão de rasto. O petróleo não pára de aumentar. Até se pode concluir que o fim está próximo. Mas não está! Os miúdos enfrentam os graúdos porque acham que a moral e a religião já não pertencem a este tempo. Os resultados estão à vista! Os filhos batem nos pais e depositam-nos em lares, quando velhos!

Creio, entretanto, que todos esses problemas da actualidade podem ser evitados em São Tomé e Príncipe. Isto porque temos abundância em luz solar durante todo o dia. Em vez de congelados, passemos a comer mais salgados e fumados. Cozinhar somente o suficiente para cada refeição diária e nada de guardar os restos. Os restos atraem ratos, muitos, muitos, às centenas, aos milhares. À noite, sentemo-nos, e porque não, no quintal à luz de uma tocha e contemos estórias, como no antigamente. Também, na ausência de luz eléctrica, à noite, podemos fazer mais filhos e, durante o dia, ler muito mais: o Bragança, o Jerónimo Salvaterra, o Teles Neto, o Francisco Costa Alegre, o Fred, a São Lima, a Olinda Beja, a D. Alda, o Sum Marky, o Branco, o Sacramento Neto, o Manu Barreto. Ainda podemos ler o Sousa Tavares, o Seibert, o Augusto Nascimento, a Inocência Mata, o Carlos Neves, o Armindo Aguiar e outros tantos e tantos… depois retornemos aos clássicos: ao Caetano da Costa Alegre, Francisco Stockler; Almada Negreiros; Marcelo da Veiga, Herculano Levy; Pinheiro Torres!...

Um país pobre tem que se adaptar às leis da natureza. Os carros de luxo, sem combustível – vai ser um outro problema para a sucata nacional resolver. Vai havê-los aos montes, à venda – quem os quererá comprar, ao fim de uns tantos anos? Vamos, no fim de algum tempo, utilizar mais os pés e a bicicleta durante longas caminhadas. Que fixe!

Na Europa, os europeus que não são nada parvos, já estão a deixar o hábito de andar de carro próprio. A miséria já atinge as classes mais altas e isto também se sente nos pés e nos bolsos. E no estômago? …
As mãos de Deus, no combate à má fé dos homens, estão a galgar terreno. A tragédia vai atingir a todos, os bons e os malfeitores. Mas se quisermos, ainda estamos a tempo de corrigir os males que andamos a praticar! Mais social, mais agricultura e muita literatura e menos egoísmo seria, talvez, a nossa derradeira salvação. Mas não, preferimos ter máquinas de lavar em casa para mostrar os visitantes, do que almejar tê-las ao serviço da lavandaria dos hospitais onde as roupas são ainda lavadas à mão!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Comentário ao artigo, EX-SERVIÇAIS CABO-VERDIANOS DAS ROÇAS EM SÃO TOMÉ SENTEM-SE “ABANDONADOS”

baseado na obra do investigador Augusto Nascimento,
de 16 de Setembro de 2007


Por: Jerónimo Xavier de Sousa Pontes

Confesso que ainda não adquiri a obra, facto que poderia prejudicar uma análise mais ajustada às preocupações do autor. Entretanto vou tentar cingir-me aos factos, resumidos no Jornal cabo-verdiano, Voz di Povo-Online.com.

A imigração cabo-verdiana para S. Tomé e Príncipe é tida, do meu ponto de vista, como uma imigração forçada, na perspectiva analítica de António Carreira, na sua obra Migrações nas Ilhas de Cabo-Verde.
Sendo forçada essa emigração, tal como a escravatura, há aspectos, do ponto de vista social e humano, cujos vestígios levarão muito tempo a apagar.

A história da emigração cabo-verdiana não pode ser contextualizada à parte da dos angolanos, dos moçambicanos, dos forros e dos angolares. De qualquer forma, há uma nítida preocupação do autor em chamar a atenção das autoridades portuguesas sobre a sua irresponsabilidade política, económica e social face à situação. É que quando Augusto Nascimento, segundo Voz di Povo, refere que os cabo-verdianos foram “abandonados”, pergunto: por quem? Não terão ido a São Tomé e Príncipe na condição de cidadãos portugueses, da então província portuguesa de Cabo-Verde?

O que o Primeiro-Ministro de Cabo-Verde, de Angola e de Moçambique devem fazer, estou a opinar, se tiverem audácia política para tal, é instruir o Ministério Público dos respectivos países, no sentido de todos os cabo-verdianos, angolanos, moçambicanos e mulatos não reconhecidos pela entidade paternal portuguesa e os respectivos descendentes, serem reconhecidos cidadãos portugueses e concomitantemente, ressarcidos de todos os anos de sujeição em São Tomé e Príncipe a que estiveram obrigados.

Eu tenho lido muitas preocupações levantadas por Seibert sobre este assunto, rebuscadas em A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER SÃO-TOMENSE: COLONIALISMO, SOCIALISMO, LIBERALISMO E A PERSISTÊNCIA DAS DESIGUALDADES SOCIAIS, de Marina Padrão Temudo e Alexandra Arvéola, “no âmbito do projecto A desintegração das sociedades agrárias africanas e o seu potencial de reconstrução”.

As questões por estes autores levantadas ilustram bem o tipo de sociedade que se instituiu em São Tomé e Príncipe no período pós-colonial. Entretanto discordo do facto de os forros serem acusados de usufruírem de tudo, deixando os outros grupos étnicos na pura marginalidade e miséria. Por isso temos um grande problema a resolver. Em primeiro lugar, o forro não é uma raça. É uma fusão de várias raças e na medida em que se sai das roças e se se embrenha no mundo das cidades, perde-se a estigmatização.

Os antigos serviçais foram e estão a ser “abandonados” por uma cultura civilizadora baseada em corrupção dos antigos colonos. Senão vejamos: não sendo rentáveis as roças dos forros, outros até nem glebas tinham, aonde iriam estes buscar os muitos sacos de cacau para vender? Quem lhos comprava? Não eram os comerciantes “brancos” que compravam os contrabandos de cacau e outros produtos provenientes das roças de outros “brancos”?

Demagogicamente, não terão os colonos atribuído aos antigos serviçais cabo-verdianos o “Estatuto de Europeu da Segunda Classe” e simultaneamente terem ensinado aos forros que todos quantos chegavam de vapor eram gabões, gente de nível baixo, indígenas, etc.?

Sabem como chegavam e como eram tratados os tais europeus de segunda pelos patrões?

Na roça Praia-das-Conchas, sede, do Dr. Osório Pinto, em 1967, o meu pai era na altura enfermeiro guarda-livros e responsável pelo armazém. Tinha ordens expressas para dar aos contratados o rancho já em estado de deterioração. Mas nos dias de visita da curadoria, mandavam esconder os ranchos podres, dando a entender que só davam comida em bom estado. Felizmente não assimilei esses ensinamentos do colonialismo.

E os cabo-verdianos que chegavam recentemente, inadaptados ao clima tropical, não era o meu pai quem lhes arranjava os internamentos no hospital, pondo até em risco o seu posto de trabalho? Sabem a que horas saíam do terreiro, sob chuva, de manhã à noite? Sabem quantos morriam? Alguma vez lhes atribuíram galochas ou chapéus-de-chuva?

Na perspectiva de Augusto Nascimento[1], os descendentes cabo-verdianos são cerca de 10 000. Na amostra não foram incluídos os nomes sonantes da política são-tomense como aos do Dr. Carlos Monteiro Dias da Graça, filho de Pai são-tomense e de mãe cabo-verdiana (ocupou várias pastas ministeriais incluindo AS do 1º Ministro e candidato Presidencial); O DR.Celestino Rocha da Costa (exerceu várias pastas ministeriais, incluindo a do 1º Ministro); O DR.Guilherme Pósser da Costa (irmão do Dr. Celestino Costa, ocupou várias pasta ministeriais, incluindo a do 1º Ministro, Ex-candidato Presidencial do mlstp/psd); a Dra. Célia Pereira (filha do Dr. Pósser da Costa, foi Secretária-de-Estado); Vítor Monteiro, o meu conterrâneo de Lobata (é um Coronel das Forças Armadas, Ex-candidato Presidencial; Assessor do Presidente da República); a ex-ministra Cristina Dias (foi ministra da Economia), etc., etc., etc. E, se formos às direcções e serviços, empresas, etc., vamos encontrar médicos, enfermeiros, directores, professores, políticos; directores de projectos, militares e polícias. Será que todos eles se transformaram em forros e estão a promover a desgraça dos seus irmãos nas antigas roças coloniais?

Quem tinha a responsabilidade de repatriar em tempo contratualmente estipulado, não eram os colonos? Não havia em São Tomé um organismo criado pelo governo colonial para a defesa das causas dos serviçais, a Curadoria? É óbvio que, como são-tomense, houve, no passado, laivos de preconceitos em relação aos outros grupos étnicos, por razões historicamente conhecidas.

Conselhos aos líderes políticos são-tomenses

Tendo sido os cabo-verdianos e outros grupos “abandonados” em São Tomé e Príncipe pela política colonial, de não repatriamento, deverá ser accionado, penso, o mecanismo da atribuição de uma Pensão de Sobrevivência da CGA Portuguesa (art.º 2020º do Código Civil).
Resolvam definitivamente a situação das antigas roças coloniais e dos agricultores
Criem um serviço de deslocação dos técnicos da segurança social, quer para procederem ao pagamento das pensões de Reforma a que têm direito, quer de uma equipa constituída por médicos e outros agentes sanitários a fim de prestarem ajuda médica e medicamentosa grátis
Elevem as antigas roças e respectivas dependências ao estatuto de vilas e aldeias, levando a estes sítios escolas, estradas e indústrias

Constatação

Vivi, cerca de 9 anos em Cabo-verde. Os cabo-verdianos vividos em São-Tomé e Príncipe, sem qualquer sombra para dúvidas e os respectivos filhos são culturalmente cabo-verdianos e são-tomenses. Sofrem, como qualquer são-tomense as desgraças de são Tomé e Príncipe. Houve casos de inadaptação (agora crime na função pública portuguesa), que, mesmo na pobreza em São-Tomé e Príncipe, alguns regressaram. Cabo-verde de que falar, em comparação com o feudalismo são-tomense, já não tinha espaço para eles, sobretudo em resposta à auto-suficiência alimentar. O obstáculo primeiro era a água e o segundo eram as altas habilitações literárias para competirem no mercado de trabalho. Os que lá conseguiam ficar, tinham as habilitações adequadas ou terão recebido, ad aeternum, ajudas dos familiares na diáspora, do Estado e das igrejas.

Conclusão

Os antigos serviçais de São Tomé e Príncipe e os são-tomenses pobres, no geral, ou ricos como qualquer são-tomense do mesmo escalão social sofrem os mesmos efeitos da crise. Cabe aos Estados minimizarem esses problemas com políticas visando o bem-estar comum.
[1] Augusto Nascimento foi meu professor de História no curso extraordinário nocturno, no 11º Ano, um ex-libris da cooperação portuguesa em São Tomé e Príncipe, devo-lhe o meu espírito crítico e um grande ódio pela corrupção e pelos corruptos.

ENFIM, IN DUBIO PRO RÉU

Por: Jerónimo Xavier de Sousa Pontes


O Senhor Presidente da República, Fradique de Menezes, não deveria vir à praça pública NGUGUNAR, pois em vez de estar a governar, andou a fiscalizar as suas obras na Praia das Conchas, onde teve aquela monumental queda, o que não gostei; o seu negócio do cimento e às suas muitas viagens, sendo uma delas, devidamente justificada, por razões de saúde. Entretanto, o colono português, ao sair de São Tomé e Príncipe, deixou hospitais em todas as antigas roças. Agora que as mão pesadas de Deus se fizeram cair sobre Sua Excelência, Fradique de Menezes, Taiwan vai construir um hospital de raiz.

Então, por que razão o monopólio do cimento de Sua Excelência o Presidente da República, Fradique de Menezes, não apresenta uma proposta em adquirir, em hasta pública, a recuperação de todas as administrações coloniais, a fim de as transformar em hotéis de luxo, uma vez que São Tomé e Príncipe está actualmente na moda? Assim valorizávamos o interior e ganharíamos em muito.

Não vêem que São Tomé e Príncipe está agora na moda? Não vêem que, em tão pouco tempo entraram no país cerca de 2500 turistas?

Se o Presidente rico (?), Fradique de Menezes, não consegue implementar projectos do género, que dêem ao grupo Pestana a oportunidade de os realizar. Sabem quantos europeus, africanos e asiáticos cobiçam São Tomé e Príncipe para as suas férias?

Os dirigentes africanos não estão a compreender que irão legar um fardo bastante pesado para os seus filhos e para o povo em geral?

Sobre o Presidencialismo, estou, pela primeiríssima vez, de acordo com o Presidente do PCD, o Senhor Albertino Homem dos Santos Sequeira Bragança. É um regime político que serve aos déspotas (i)luminados. O que isto poderá demonstrar, é um desejo, uma castração “ditatorial” não realizados. Tanto é certo que, para as eleições presidenciais, não só por causa do Presidente Fradique, como para todos os outros presidentes de todos os partidos políticos são-tomenses, que vêem na diáspora uma autêntica ameaça - dão somas altíssimas às associações de são-tomenses para os eleger, pagam-lhes viagens para a tomada de posse. Com esse dinheiro, não estariam a auxiliar os pobres, os doentes mentais, os velhos, os meninos de rua, as mulheres solteiras, os abandonados nas antigas roças coloniais?

Outra questão, desde o momento em que o palácio e as casas de ministros ficaram inabitados, todos os apoios internacionais para essas casas passaram directamente para as particulares, desde as dos simples directores da administração pública, passando para as dos ministros e para a do próprio Presidente da República. Daí que seja imperioso, durante o mandato, os governantes vivessem nas casas do Estado.


A instituição que deveria mediar o conflito entre a Assembleia e os outros órgãos da República, deveria ser a classe castrense.

Os militares africanos, quando juram à Bandeira, dizem que darão a vida à Pátria. Mas se nós perguntarmos a qualquer ministro da defesa, chefe de Estado-Maior General, os oficiais, graduados e praças, o que é a Pátria, a resposta seria: o Presidente da República (quando o quartel estiver farto em tudo); a Bandeira Nacional e a propriedade privada dos senhores da gleba, não é assim? Foi assim no regime do pinto da costa?


O problema zimbabueano, Semelhanças e Diferenças

A questão do Zimbabwe só está a ter esta repercussão, ao nível mundial, porque está em causa, novamente, a questão BRANCO/NEGRO.
Na Europa, alguma vez se aceitou a algum negro ter grandes talhões de terreno de cultivo, com brancos a trabalharem nas suas plantações, sem que estes terrenos tivessem sido transaccionados?

Os Europeus retiraram os terrenos, à força, aos seus legítimos donos. Então a política de redistribuição iniciada por Mugabe está correctíssima, porque negociada com os ingleses que não cumpriram a sua parte do acordo, como aliás já foi, largas vezes, publicitado na comunicação social.

Mas quanto à Democracia, aí É que a coisa muda de figura. Que se saiba, o país mais democrático de África é São Tomé e Príncipe, Em vez de as terras terem sido distribuídas, como aconselharam as organizações internacionais, são os próprios dirigentes que se apressaram em ficar com os maiores quinhões: maiores talhões e maiores milhões do financiamento externo.
Então, não havendo mais nada para distribuir, as pastas de governação passaram a ser, de tal ordem vulgarizadas que, hoje, muitos até se dão ao luxo de declinar convites para cargos ministeriais.

A banalização da classe política são-tomense só demonstra que será muito difícil pensar-se num projecto futuro que não tenda para uma queniazação ou zimbabwezação em São-Tomé e Príncipe.

Quando todos os jovens regressarem ao país, após aturados anos de estudos no estrangeiro, vão precisar de casas para morar. Onde irão viver? É óbvio que vão retirar uma parte das parcelas de terreno deixada pelo Estado colonial e construir as suas casas, de igual modo que muita gente se apoderou das roças Praia das Conchas, Água Izé, Rio do Ouro, Favorita, Ribeira Peixe, Francisco Cabral, Ilhéu das rolas, etc. A não ser que ponham tudo isto à venda em hasta pública, a fim de se render algum dinheiro aos cofres do Estado.

Sobre as casas de luxo, conseguidas não se sabe como, não haverá problemas. Os carros de luxo, também não! Caberá às Finanças cobrar os impostos adequados a estas aquisições, quer os carros estejam guardados nos quintais dos referidos donos, quer não.
Espero que seja aplicado, nestes casos, enfim, IN DUBIO PRO RÉU.
O presidencialismo, na perspectiva são-tomense, com uma DEMOCRACIA ainda em crescendo, com uma opinião crítica ainda em formação; com instituições de saber incipientes, que seja o parlamentarismo, do meu ponto de vista, a dar a voz ao povo. Com o sistema presidencialista, no contexto actual, teríamos, semanalmente, uma remodelação governamental. Da ditadura dos bons já sabemos como é que funciona: quero, faço e mando!

S. TOMÉ E PRÍNCIPE, A ÁFRICA E A CONSOLIDAÇÃO DO ESPAÇO ECONÓMICO MUNDIAL

Comentário ao Capítulo da obra A INVENÇÃO DE UMA SOCIEDADE, de Isabel Castro Henriques


A problemática da ocupação e o controlo africanos do arquipélago dá-se num período extremamente crítico da historiografia de Portugal, em que desde 1531 se começa a ter notícias de que a ilha estava na iminência de se perder, dado “ao progressivo controlo do interior (...) pelos africanos, que ao longo do século, procedem à ocupação dos espaços despovoados, mediante operações levadas a cabo fora da intervenção e da direcção das autoridades portuguesas (ICH: p. 110). Essa intervenção é análoga a que se passa no Brasil, com a criação de zonas Estado, denominadas kilombo. Encontramos esse kilombo em S. Tomé com o nome de obô gigi (mata cerrada; bosque, floresta, mato).

Este assunto remete-nos para o enquadramento regional do arquipélago (através da africanização do espaço que, em princípio, devia ter sido exclusivamente povoado com brancos) e a consolidação do espaço económico mundial (funcionando como rota privilegiada quer no comércio com Europa, quer funcionando como laboratório de experiências, para o futuro desenvolvimento do Brasil) e também de certas plantas a serem cultivadas localmente.
É inegável aqui referir que, desde os primeiros tempos, S. Tomé e Príncipe desempenhou uma função primordial, não só no quadro da Expansão Portuguesa, mas sobretudo no alargamento das fronteiras africanas para essa região peninsular e na construção da modernidade, desde logo esboçada através de formas particulares de associação entre BRANCOS, NEGROS e MULATOS e dos sistemas económicos que aí foram sendo instalados([38]).

Analisando o mapa geográfico do mundo português desde a Expansão Marítima a esta data, verificamos que, quer em Portugal continental, quer nos países africanos por este colonizado, incluindo o Brasil, nunca houve uma estratégia pensada no desenvolvimento efectivo do interior. Se as vias férias, as pontes, as estradas, o comércio, a urbanização, o saneamento do meio, a indústria, o transporte, as escolas, as casas de cultura, os aeroportos, etc., a banca, as finanças públicas, e a função pública em geral, tivessem sido deslocados para as localidades do interior, hoje teria sido possível um desenvolvimento mais equilibrado dessas localidades. Ora, a não extensão da administração colonial portuguesa, no passado, para as regiões do interior, terá possibilitado a sua consequente ocupação pelos escravos e populações altamente carenciadas e excluídas de todo o processo de desenvolvimento. Em S. Tomé e Príncipe, esses espaços não passavam de refúgios de escravos e mais tarde ocupados pelos serviçais, onde se refugiavam dos castigos corporais nas roças, designados, localmente, de gabon-fugido.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE EM A POLÍTICA DEPRESSIVA, DEGENERATIVA

Caros compatriotas, “ninguém ama a sua terra por ser grande ou pequena, mas por ser sua”.
Não foi com surpresa que venho acompanhando a política armadilhada do meu país. É que qualquer figura que for chamada para chefiar o governo são-tomense tem que ter a capacidade de nomear ministros fortes. Mas ministros fortes têm que ter directores, chefes de departamento, funcionários habilitados para essas funções. Todos aqueles que estão a exercer funções sem que estejam habilitados para as mesmas devem ser-lhes dadas oportunidades, através de bolsas de estudo ou de trabalho a fim de se formarem.

O Presidente da República é, no contexto actual, um refém de muitas coisas.
Por tudo isto, se houver qualquer tentativa de golpe-de-Estado , deve a comunidade internacional accionar os mecanismos legais a seu alcance, no sentido de, junto ao Tribunal Penal Internacional, emitir um mandado de captura internacional contra esses senhores. A começar, cassação dos seus bens, através do congelamento de suas contas em todos os bancos do mundo; impedir a deslocação dos seus familiares mais directos; etc. Porque, desde quando o Conselho Nacional de Defesa envia ultimato a um Presidente da República? Se o Presidente da República não reage a esse comunicado, tudo poderá levar a crer que estão mancomunados, o que não acredito que esteja a acontecer.
Os militares, os que estão agora no poder, por ironia, foram até nossos instrutores, chefes de companhia, chefes de Estado-maior General, Ministros da Defesa. Ensinaram-nos que o soldado que partir para o golpe-de-Estado não passará de um reaccionário.
Está a acontecer tudo isto e pouca gente protesta. Internamente, o povo não se manifesta. Na nossa diáspora, as pessoas cansaram-se? Onde estão os líderes das associações em Portugal? Não dizem nada? Estão comprometidos com alguma coisa? Não creio!!!
Meus amigos, quando vi que me estavam a criar ratoeiras no Liceu Nacional, em S. Tomé, dei o fora. Acharam que fui parvo? Não! Sou mais que inteligente a sentir o fervilhar das ondas! Imaginemos que eu tivesse lá ficado? O que teria sido de mim? Comiam-me vivo, certamente! Mas sou também um homem de luta, para nadar contra a maré! Também, porque se não o fosse, não teria regressado à minha terra, vezes sem conta, com a esperança de que um dia desapareceria a “antropofagia política”. Sou, para todo o efeito, um verdadeiro puro-sangue GUADALUPENSE e TRINDADENSE . Mas com a morte de alguns GUADALUPENSES e TRINDADENSES, pensam que hoje não passamos de, desculpem-me o pleonasmo, uma simples passagem para a cidade das NEVES.

Ora, não havendo gente para governar, que chamem os independentes. Todos os meus amigos, de Rafael ao Trovoada, de Trovoada ao Costa Alegre, dêem um sinal positivo para que as pessoas, as famílias, os investimentos voltem a São Tomé e Príncipe, para sermos, novamente, todos felizes. Que vergonha. Que estupidez a nossa! Que falta de gosto em relação a Cabo-verde!
A solução, neste contexto, contrariando a posição do Honório da Associação do Príncipe em Portugal, é que seja chamado para a governação um homem dedicado, íntegro, educado, com princípios, para por fim a este FANDANGO (desconheço o significado): o TÓ ZÉ Cassandra ! Por gente como ele, estou de malas aviadas; porque dá garantias!

Imaginem só se eu dissesse à minha esposa:

-Vamos abandonar os nossos afazeres em Portugal, “ela médica” e “eu engenheiro”, e “a minha filha, a entrar para a faculdade”; vamo-nos embora para São-Tomé e Príncipe, nossa terra – e uma desgraça destas nos acontecer? E como se sentirão os são-tomenses, nossos conterrâneos, que infelizmente votaram nesses senhores, mesmo ao calor de uma boa cacharramba? Confortavelmente contentes? Foi para isto que armaram cilada ao Engenheiro Tomé da Vera Cruz, ao Dr. Patrice Trovoada e ao Dr. Rafael Branco?
A última hipótese para a salvação desta desgraça é chamarem os camaradas Dr. Manuel Pinto da Costa; o Dr. Leonel Mário D’Alva; o Sr. Miguel Trovoada; o Dr. Filinto da Costa Alegre; o Dr. Carlos Graça e outros, e criem um Directório para levar o governo até às próximas legislativas, sob a governação de Tó Zé Cassandra!

terça-feira, 17 de junho de 2008

SANTOME KU PLINSPI: KONFUSON LUNGUA ANTE KONFUSON LASA

N ta mese skleve ũa dja!
N ta mese skleve, ũa dja!
Mali ku’am tantu stima,
Ku xiga kuida n’ixi k’n ta podji,
N be amole n’e ku tava ka fada mu:
- Skleve pa n ka sa ka nota,
Pa a po le’e!
Kwa na sa mina sóia
Ku a ta mese fe da mu fa;
N’áza, so xe pena K’n toma,
skleve da’m me!
Tudu kwa se sa soia di inem molado poson
Ku Inem boka vozu Ton Swali
ũa ka bixi, peta glavata; ka sama otlo : «seu forreco»!
Otlo ka kudji: non se kola manga basu, non ka kontenta ku fluta ku koko ku moyo bunzu, okoly o klinkete ku zete kokondja
Bodon tenpladu, biska 61, vin pema uswa, baile sokope, lundu ku almandadji
Oze «forreco» bila folo slivizadu, punda e toma «alforia» – sa plume gabon ku lentla tela
Plume gabon ku lentla tela ska pont’otlo kuma ele so sa dono tela
Tudu kwa se sa poji ndufa, we tapadu ku tlaxi betu !
N ta mese skleve, ũa dja!
Mali ku’am tantu stima,
Ku xiga kuidá n’ixi k’n ta podji!
Por Jerónimo Xavier de Sousa Pontes

sexta-feira, 25 de abril de 2008

A semântica de "legá"

A semântica de “legá” CST (Crioulo de S. Tomé),


do Pot.(Português) “leixar”, “deixar”





[Ainda agora faleci,
Leixa-me buscar batel!]([1])



“Legá’m” (legá-mu) /“leg’é”; do Port. “deixa-me"; "deixa-o"; "deixá-lo"; "deixá-la"; "deixa-a", etc., é uma construção sintáctica e semântica do crioulo forro da ilha de S. Tomé.

Um estudo de Augusto Soares da Silva, intitulado UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A ABORDAGEM COGNITIVA EM SEMANTICA LEXICAL (1999), aborda, de forma ímpar, a evolução do verbo “Deixar” em português, inserto em várias construções e situações linguísticas.

Vou apresentar, por analogia, um pequeno trabalho sobre a semântica do “legá” (CST), equivalente à do “deixar” (Port). Vejamos alguns exemplos:

























[1] (Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente (cf. Manual de Língua Portuguesa, Plural, 9º Ano, 3º Ciclo do Ensino Básico, Lisboa Editora, p.83) – Tradução: Já k’N kabá môlê, lega’m ba buká kanwá!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Temas do grupo Carnavalesco Torresdense, em Torres Dias “Tôlô Djá”

TLUNDU SANTOME

Crioulo forro de São Tomé e Príncipe
(ligeiramente adaptado por: Jerónimo de Sousa Pontes)



1.Non subli oke,
zeme e

Non ka dese oke
Punda ola ku non te dese oke
Sela pa non dese’e ku tlaxi
Punda mo sapatu sa petadu

Non zeme o
Ke, non zeme o

2. Sa punda stleson da son
Da son, non ka kole ba kanpu ba ximia
Non sa ku saka mixidadji
Solo podji d’e kastigu oze
Non ka konta ku lolo ngoma

Non zeme o
Ke, non zeme o

3. Ale Dunha sata stlada
Non fla xigunu sa glavi
Numigu ba kanpu ba ximia
A kese di vidja nwa
Pia non, mo ku nwa letla mingwantxi
Solo da lentla kadela suba
Ni megi d’Abli sa nganozu
Oze non sa fesu legi-legi.


4. Bo ku flanga (blapu?)
Ba toma pluga flakeza
Yale bo pluga flakeza za(du)
Ba kye matu vugu-vugu,
Non fla flanga na mola fa
Kaso ska stlivi katxibu

Non zeme o
Ke non zeme




5. Tudu povo, a bamu fe finta
Pa non ba fe ke mulu nglandji
Fika pe poson di lega fama
N na mese milantxi ne fa
Pe po na te (pe pe) (konda) fa

Non zeme o
Ke, non zeme o


6. Ele so da kwa ku manda
Non ska punta tabwada:
15 e 12 = 27+20, E bate ni 47
Novi fora vê 8-16 pataku
16+16, E bate 32 xinu

Non zeme o
Ke, non zeme o

v

1. Povo mu e
A po mata ale
A na ka mata (m)baxada d’e fa

2. Povo, tota we piá
Duki beletlon sa zuntu d’e
Bo kese d’ubwe bo
Matxine (?) ku folo betu
Bamu toma saia ba tape-e
Punda kwa ku a tapa []
A desa dufa (ndufa) bate bodo
Pa a po txila inem mosu fala


3. Non fla tambolo kota kodo
Alumandadji sa blagadu
Numigu bate sum Pintu Kosta bega
Pa inen po konse pantula
Pantula di sum fenetxigadu
Za-o numigu mundja londji
Ka mand’e leseta toma pluga

4. Povo e, we be we
We be we o
Sum Pintu mand’inem mantxan

5. Desa inem numigu ba fe finta
Pa a po mata sum Pintu Kosta
A po mata sum Pintu Kosta
A sa ka tlaba stluvisu lende magestadji


6. Sum na ka peênde fa
Sum tlaba stluvisu kapataji
Punda valá vêli po na se fa
Sum ka sama inem kamarada
Sama inem kamarada lolu
Oze non te xada di kanwa
Punda lolu ka sa basu


7. Kanwa ka sa liba ka kole ante boka ple
Mina pikina ka toma fe boya


Povo-e, we be we o
We be we o, numigu-e
Sum Pintu manda inem mantxan

8. Inem numigu sa makulu
Ola ku a sa panu
A sa ni vunga
Ola ku a sa klason
A sa petadu
Ante inem po duku dopanu
Tudaxi lentla ni kwa se

Numigu-e, we be we e
We be we o, povo e
We be we o

9. Sum Pintu mand’inem mantxan
P’e na fe mo ploposta di sum kuku
Ku sum pligitu ganha
Da bo kamia p’e ovo

10. Kwen-kwen sa di paga patu
Ante ku tudu ovu podle ku sa palede txila boba
Punda kwa d’e ku bwa damu-e
Sa mese sa ngoma póji kubli glavi
Tudu tóka d’e sa nglentu lama

11. Mese ngoma po sa fina
E ka bila ubwe ni lama

Povo e, ubwe ni lama
Povo e, we be we e
Povo e, webe we o
Povo-e, we be we e

Sum Pintu manda inem mantxan
Bo be e…




(CST) Grupo Carnaval Torresdense, em Torres Dias

Non bili xicola ni losa
Non bila bili kantxina
Non ska luta ku tlexi konta :

Non fe dosu,
e fata non ũa
Punda sebe non sa sebe kutu
E fata legla tlexi ximpli!

Non fe raiz kwadladu
Bo be legla mixtula
soku da kabesa kole
Punda sebe di losa – sebe kutu
Manda non dese bi banda basu

Non zeme
Povo e, non zeme
Povo e, bi ke,
a te afe ni non e

Non te tlezentu saku loso
nala ni kantxina :

Cem saku sa di plimela
Duzentu saku sa di tlicela
Tudu ninge ka ba kantxina
Ka kopla plimela tangana
Soku non mese punta inem xi:
y a ka zuga plimela ba da matu an?


Sebe di losa
Sa sebe kutu
Manda non dese bi banda basu
Pa non bi toma kedadji e

Non zeme
Povo e,
Afe da non e

Sebe di losa
Sebe kutu
Manda non dese bi banda basu
Pa non bi toma kedadji e

Non zeme
Povo e, a fe da non e.


Filiji sa ome nogoxo
Soku Filiji fada non:

N ga da nanse kume
Konta non sa fofo loso tlisela
Toma sukli pe patadu
Toma fluta fluta pe patadu
Pa non be kwa nzolo plimela

Povo fê da non sebe di losa
Sebe kutu,
Manda non dese bi banda basu
Pa non bi golo kedadji

Sebe di losa,
Sebe kutu
Manda non dese bi banda basu
Pa non bi golo quedadji

Povo e, a fe da non e…

Djina vintxi xinku d’Abli,
Tudu povo bili we,
Tudu sudu bili olya
Non pensa di sama mumu
Mumu soku na kudji fa
Punda kodo lungua na kota fa e

Non zeme : hum..hum..hum
Non zeme : hum..hum..hm

Non zeme-e
Non sa ka kab’e ni zeme

sábado, 9 de fevereiro de 2008

A MEMÓRIA FANTASIADA



JERÓNIMO de SOUSA PONTES

Romance
(Extracto de inédito)



Uma Estória de Suposições
(No paraíso de homens crentes)


Uma viagem aos sítios,
Aos costumes, às pessoas,
Às gerações passadas,
presentes e futuras.



O quarto sono, o quarto sonho



(Para falar do m’bilá, prepare-se, leitor, para um episódio ocorrido em casa do Hyéros)

A Roça Praia das Conchas tinha duas sanzalas: uma ficava perto da casa dos empregados (negros e brancos que compunham o corpo administrativo) e a outra chamava-se Capitania.

Certa vez, Relof e Syul foram passear ao pé da Capitania. Era um pequeno atalho que ia desembocar numa povoação, algures no noroeste do terreiro. Situava-se lá no alto da colina, incompreensivelmente afastada de outros aglomerados, como se tratasse de um lugar somente para os doentes contagiosos.
No sopé da montanha, por onde passava o atalho, havia uma fruteira. Engraçado! O meu pai dizia que ele não comia a fruta-pão, por causa de excesso de carbo-hidratos, que a fruta-pão não tinha qualquer valor nutritivo, que só servia de alimentação aos porcos. Mas os angolares, que eram muito mais inteligentes do que o meu próprio pai, apostaram na fruta-pão, e fizeram dela batata-inglesa. Talvez por isso, quando o meu pai caíra no desemprego, a primeira árvore que ele mandara introduzir na sua quinta foi precisamente a da fruta-pão. Não só no-la mandou transportar e plantar uma, mas três (vida cabalística essa), ainda por cima, no tempo seco, de maneira que, sem a água das chuvas, a alternativa fôssemos nós, com a mangueira, regando as três portentosas fruteiras, de fio a pavio.

Foram estas três fruteiras que, nos tempos das vacas magras, nos mantiveram erectos e vivos. As árvores enchiam-se de frutas e transmitiam uma sensação de poder, de abundância e de segurança.

Meu pai descomplexou-se de vez. Nas horas livres, também porque estava no desemprego, ensinava-nos as artes de preparar, “limpar”, frutas-pães assadas. Para alguém que detestava comer fruta-pão, era, no mínimo, um pequeno milagre. Primeiro, introduzia as frutas numa labareda – uma fogueira de lenhas, íngreme. As frutas assadas saíam com as cascas totalmente carbonizadas. De seguida, por opção, ou retirava-lhes as cascas ou limpava-as com uma faca, até que toda a parte queimada desse lugar a uma nova casca, em tudo semelhante a de um pão, acabado de sair do forno. Contudo, o meu pai continuava a defender que era perda de tempo.

- Ó pai, o senhor acha ser perda de tempo preparar uma comida como deve ser?- Não acho. Tenho a certeza. Se eu não conhecesse outro método...

Meu pai arranjou um tambor vazio e encheu-o de água. Mas também podia ter sido um balde. Depois mergulhou umas duas ou três frutas na água. Quando as cascas das frutas já estavam bem amolecidas, retirou-as da água. E com uma faca bem afiada, pôs-se a raspá-las, até ficarem quase brancas. Entre uma fruta-pão e uma careca, não havia qualquer diferença.

A diferença punha-se somente ao nível do comestível e do incomestível. Podia-se comer uma fruta-pão, mas nunca a cabeça de uma pessoa, por mais que se parecesse com um pão.
Tudo isso por causa dos angolares. Graças aos angolares e ao seu saber preservar o que a terra dá, ainda a razão da nossa existência! Mas quem são os angolares? Donde vieram? Como vieram? – É, com certeza, um outro mistério. É através do saber milenar dos angolares que pude compreender a força dos mistérios. O meu pai compreendeu finalmente a força da tradição. Será que o meu velho vai acreditar mesmo na força dos mistérios?

Mas se o mistério existe, existe mesmo. Vou provar por que digo que o mistério existe. Uma vez, eu vivia com o meu pai, a minha mãe e os meus dois irmãos. Tanto o Relof como o Syul, eram ambos meus meios-irmãos. Syul era filho do meu pai com outra mulher. Relof pertencia à minha mãe, pois tinha outro pai.

Naquele dia, quando eram doze horas, o sino do escritório bateu doze badaladas. Deu-se o silêncio, um silêncio aterrador – hora dos mortos.
Meio-dia e meia noite era um espaço unicamente reservado aos finados (pelos vivos?!... ou simplesmente um espaço conquistado aos vivos pelos mortos?). Nessa hora, os trabalhadores ou descansam ou agrupam-se em baixo de uma árvore para almoçar - hora perigosa! Hora em que os defuntos intrometem no mundo dos vivos. O único barulho que se podia escutar, naquele momento, vinha precisamente dos fantasmas, marcando a sua presença no mundo dos vivos – (assim na terra como no céu). Daí que, os miúdos, como geralmente são os que nada temem, porque, na verdade, também nada devem, inadvertidamente, acabem por violar o espaço proibido – o espaço dos mortos. Ou fazem-no, porque se esquecem ou, por necessidade de se liberarem; ou, por não terem assimilado correctamente os inúmeros teoremas enunciados pelos mais velhos, vão brincando com as coisas sérias da vida! Acham que, só por serem crianças, tudo quanto sabem, não careça contestação. Os seus saberes, interpretados como teoremas transformados, de certo modo, em verdade acabada, podem alterar o mundo dos adultos e conduzir a caos.

O verdadeiro axioma, no mundo infantil, na interpretação adulta, não passa de um simples exercício teorético. Daí o princípio e não o fim do caos.

O caos é uma evidência que se estabelece sempre que há a intromissão dos vivos no mundo dos mortos. Mas a inocência consciente é uma realidade que, quando introduzida, por irracionalidade ou por simples competição, poderá remeter para o sucesso ou para o insucesso, tomando como ponto de partida a maré da sorte ou do azar.

Se tivermos azar, saímos magoados. Caso contrário, ganhamos. E o melhor seria termos a consciência dos nossos actos, para não entrarmos desnecessariamente nos jogos de azar. Às vezes, as crianças ignoram os conselhos dos mais velhos porque, desse modo, isentos de qualquer responsabilização, acham que vencem. Outras vezes, saem derrotadas. Mas quando a derrota é muito pesada, sobra, infelizmente, para os adultos.

Naquela hora, meio-dia, os meninos sabem que devem parar as suas brincadeiras. Devem dirigir-se a casa, para almoçar. Sabem que é hora dos mortos e podem sofrer as consequências, se pisarem uma sombra ou se forem atingidos por "ventu bluku".

- Samum, ó Samum, venha depressa.- Que aconteceu para me estares a chamar com tanto alarido? Está alguém a morrer? Que alarmismo é esse? - Inquiriu a minha mãe.

- Olha, Samum, isso não é brincadeira, não. Os menino estão a morrer.
- Ó Domingos, tu e o Lázaro, transportem os meninos lá para dentro de casa. – Ordenou a minha mãe.
- Tu, Zeferino, mexe-te. Vai a correr ao hospital chamar o Sr. Enfermeiro (pai dos miúdos, ou pelo menos um deles?).

Quando o meu pai chegou a casa, como que possuído pelo defunto que possuíra os dois garotos, acusou a minha mãe de ter sido ela a orquestrar toda essa situação. Que tivesse sido ela, presumivelmente, a envenenar o seu filho, o outro meu irmão, filho dele com uma outra mulher. E quanto ao outro, nem uma palavra!

Naquele tempo, era quase impossível ter um meio de transporte próprio, por isso eram os patrões a investirem em ambulâncias. Muitas vezes, eram os tractores a substituirem as camionetas de caixa-aberta ou eram os próprios serviçais que se faziam de ambulâncias. Contudo havia uma roça que se punha ao nível do próprio Estado – a Roça Rio do Ouro, propriedade pertencente ao Conde de Valle Flor. Era uma espécie de micro-Estado, dentro do grande universo colonial santomense. Naquela Roça, tanto as superstruturas como as infra-estruturas eram adequadas, funcionais.

Cansados, e receando o pior, os dois serviçais, finalmente, chegaram à vila de Guadalupe – um deles, ambulância da minha mãe; outro, ambulância do meu pai.

A mãe do Syul vivia na capital da Colónia. Após a notícia sobre a situação de saúde do filho, recebera o apoio financeiro do meu pai, o mesmo que não acreditava na força dos mistérios. A situação era de tal modo preocupante, que ele acabara por ceder, mostrando-se, entretanto, duvidoso por causa das suas convicções religiosas. É que o caso não era para menos. Negar um gesto ou dar um passo em falso, ficava ele responsabilizado, como aquele que contribuiu para a morte do próprio filho. Então, mais que simples desejo, preferiria, mil vezes, curar o filho do que enterrá-lo.

Relof, sem qualquer apoio do meu pai, teve que contar, exclusivamente, com a criatividade da minha mãe.

Toda a gente da vila quis solidarizar-se de alguma maneira. Sam Dankla e as suas amigas arranjaram um bom curandeiro (kulandelu) e puderam assim salvar o Syul. Foi uma intervenção forte, que nem aos polícias que acorreram ao local, para prenderem os gentios, poupou. Todos tomaram o santo[1] e dançaram o djambi.
Os polícias, quando acordaram da situação extasiante em que se encontravam, nem souberam para onde foram parar as armas.

Minha mãe, ao longo dos anos, vinha amealhando a sua parca economia, já a contar com tragédias desta natureza. Com o dinheiro amealhado, pagou o Zeferino pelo transporte do filho, de Praia das Conchas à vila de Guadalupe.

- Obrigado, obrigado... Deus paga Samum. Filho de Samum vai ficá bom. (Deus lhe pague, senhora, o seu filho haverá de ficar bom).

Como a minha mãe tinha amizades na vila, e sendo ela também de lá, pôde facilmente arranjar um excelente curandeiro – pois tratava-se de doença espiritual. As doenças do espírito não se curam nos hospitais. Quem não sabe isso?

Dino de Sousa, assim se chamava o curandeiro. Era um temível curandeiro, homem de poucas palavras, fechado nas suas conchas. Media aproximadamente 1,90 m de altura. Pelo seu andar, deixava-se antever que tinha defeito numa perna. Mas o certo é essas calças esconderem no seu interior uma grande chaga. Ia assim, cambaleando, para o seu paço.

O paço espiritual do Dino de Sousa não passava de uma barraquita, uma espécie de Quixpá[2], construída somente com materiais locais: “vá-plegá”[3], para as paredes; “pavu” (andalas trançadas) para a cobertura; “pó-blutu” (madeira não trabalhada), no esqueleto da casa. O soalho era o próprio chão de terra-batida.

No interior da barraca estavam depositados vários amuletos africanos, bem como imagens de santos da igreja católica romana. Ao centro, defronte à porta da entrada, erguia-se um grande altar sobre o qual se podia vislumbrar uma majestosa imagem do Nosso Senhor, cruelmente pregado numa cruz.
Os olhares do Mestre eram demasiado severos, fixos nos que o solicitavam, no seu eterno silêncio. A sua expressão, logo à entrada, insinuava expurgar, diante de si, todas as almas impúdicas que lá iam incomodá-lo, os descrentes.

Dino, em jeito de Sumo Respeito, perante a imagem crucificada de Jesus Cristo, ajoelhou-se e orou durante vários minutos. Traçou, com rosto carrancudo, o diagnóstico do meu irmão Relof. Feito o diagnóstico, começa-se a cerimónia:

Zugu-Zugu ka ma mira Ka ma mira wha xani

Intraduzível! Linguagem mística dos ancestrais escravos, só ao alcance dos que lidavam com seres superiores. Os olhos do Dino de Sousa, de um momento para o outro, abriram-se em tamanho da lua cheia, como que saltando da órbita. – Tomou o santo[4].

Entrado em êxtase, os dentes do Dino semicerram-se e puseram-se a ranger, provocando um som estridente. Dino procurava abrir a boca para comunicar com os seus ajudantes, mas as forças do mal, aí instaladas, impossibilitavam-no de pronunciar palavras, perceptíveis aos ouvidos dos comuns mortais. O que lhe saía da boca não passava de soltos monólogos, somente decifráveis por Zinha, a única que estava dotada de poderes sobrenaturais desde a nascença.

- Quem não conhecia a Zinha Sam Kinha?

Zinha Sam Kinha ascendera a forra, tal como todos os outros da etnia angolar que, num certo dia, abandonaram a vida do mar e foram fixar-se nas vilas, cidades e luchans (aldeias). Foi por isso que muitos angolares já não vivem no Vadji Ngolá (várzea dos angolares).

Os angolares, como não se sentiam totalmente integrados nas coisas da vila forra, formaram um pequeno grupo na orla do Vadji Ngolá, perto da sede de kanhera (canhoneira), para onde foram viver.

Kanhera era um “Bailé Sokopé” (agrupamento cultural e recreativo da vila de Guadalupe). Todos os membros do socopé (dança praticada só com os pés), ajuntavam-se num amplo quintal onde realizavam os ensaios. Uns tocavam o tabaque, outros o kanzá (reco-reco), apito, wémbé (tambor grande, de som muito agudo), chocalho, ferro, etc.

Em torno da sede Kanhera, ladeavam-na as casas dos actuais residentes, formando uma coesa vizinhança. Não se sabe, ao certo, a origem do grupo kanhera. Sabe-se, no entanto, que se deve, provavelmente, a mais uma criação do regime do Estado Novo.

Nos dias festivos, o grupo actuava trajado a rigor. Todos uniformizados, à maneira de marinheiros, entoavam as mais variadas canções, ao som repicado dos tambores, das flautas, etc. Conta-se que foi numa dessas festas, que Sum Malé Semwã e Sum Tshindu Dentxi Bandêndê, ilustres representantes do regime, deferiram um duríssimo golpe sobre o grupo congénere de kanhera, vindo expressamente da Praia de Mouro-Peixe, às ordens do Sr. Governador: OS VIN MATCHA PINA TCHILADÔ BÉBÉ FALA[5] para tomar parte nessas actividades.

Quando a festa já ia bastante animada, bruscamente, os tocadores de OS VIN MATCHA PINA TCHILADÔ BÉBÉ FALA resolveram acabar com a folia. O povo, não gostando da atitude, protestou e gritou palavrões. Mas os tocadores acharam que tinham razão. Queixaram-se de ter havido irregularidades na atribuição dos apoios:

- Ó Mé Búnhé. Afinal, vocês receberam o dinheiro do governador e dizem que já não tocam? Cambadas de malandros!

- Nem pensar – Responde o Xídé – Vão perguntar Sum Sêmwã ku Sum Dentxi Bandêndê (perguntem lá aos senhores Sêmwã e Dentuça). Eles receberam o dinheiro, pipas de vinho e comida do Sô (Senhor) governador pa (para) nós. Mas a gente tocou a noite inteira sem comer nem beber. Nem um copo-d’água, nem um copo de vinho; nem um tostão, nem um prato de comida. Nada! A escravatura já acabou.

- Quem quer dançar de graça, vai lá dançar com Sum Sêmwãn e Sum Dentxi Bandêndê (quem quiser dançar de graça que vá dançar com os senhores Sêmwãn e Dentuça). – Concluiu Ma Maguita.

- Toda a gente sabe que eles pegaram no vinho e meteram nas suas lojas. A gente tocou com fome e com sede, até de madrugada. Nem uma pinga de vinho para alegrarmos o espírito, nada! – Berrou a Liská .

- Eles hão-de ficar aqui, desgraçados! Não vão longe! Havemos de os ver pobres e miseráveis a sofrer. Nós tocámos, dançámos, ainda por cima, descalços, nesse chão frio sobre o muro. Paciência! Diabo que os leve para o inferno – praguejou Sum Kinta, o chefe do grupo.

Enquanto isso, na tenda do Dino de Sousa, a cura do meu irmão continuava. Às ordens do curandeiro, os seus ajudantes estenderam o Relof sobre uma esteira, de peito para cima. Dino de Sousa mediu-lhe o pulso e, com a sabedoria de um médico, exclamou:

- Se demorassem só mais cinco minutos, o garoto não escapava. Eu nem pegava nele.

Muito calmamente, se é que alguma vez precisou de pressa para o que quer que fosse, acendeu as velas, espalhou o vinho e queimou o incenso juntamente com o alecrim. Invadiu o ar um cheiro purificador. A efusão entrara em acção, sacralizando o espaço para a eficiência da cura.

Dino de Sousa multiplicou-se em expedientes. As misturas e a azáfama foram-se sucedendo, ao ponto de a sala ficar totalmente enevoada. Não se conseguia ver nada, à distância de 1 metro. - Danou-se o mestre – então, com uma vassoura de cabo curto, Dino de Sousa pôs-se a espantar o espírito maléfico que se tinha apoderado da alma do meu irmão. Era, sem dúvida, uma tarefa, em si, difícil e complicada, porque implicava lutar contra os seres superiores, defuntos cujas almas zanzavam, sem paradeiro, tendo como moradia o m’bilá.


As horas pareciam intermináveis, o que tornava cada vez mais angustiante a espera agoirenta da minha mãe. Transportar o menino para o hospital, nem penar. Aplicando-lhe injecções, nesse estado, era morte certa. Doente de mato não pode ir ao hospital – acreditava minha mãe piamente.

- Dá licença, comadre. – Pede Zinha em voz respeitadora e familiar. Toma um pouco de canja. Come para a comadre ter força. Confia em Deus. Deus é grande. Ninguém morre atrás do dia. Cada um tem o seu dia. Coragem minha comadre.

Olhando para a comadre, como que lhe adivinhasse os pensamentos, continuou Zinha Sam Kinha:

- Olha que o filho do Sum Fliku Plétu veio p’aqui assim mesmo. Mas Dino pegou nele, um instante só. Tá lá rapaz lá a corrê, a saltá que nem cabra (Mas o Dino pegou-o, num instante, já estava bom. Lá está o rapaz a correr e a saltar que nem uma cabra).

A minha mãe sorriu desconfiada, o que suscitou, na altura, um reparo muito sério da Zinha:

- Xê, comadre não acredita? Ãh, N kêcê, kwa ten sa mwala funshonário (ah, esqueci-me, afinal a senhora é mulher de um funcionário...). Por isso a comadre pensa que a gente está a brincar. Nós é burra sim, mas nessas coisa de mato, ninguém engana nós. Concluiu Zinha (ah, tinha-me esquecido de que a senhora é mulher de um funcionário. Por isso a comadre pensa que estamos a brincar. Nós somos burras sim, mas nessas coisas do mato "coisas espirituais"ninguém nos engana).

Dino de Sousa afastava os maus espíritos com determinação. Enquanto isso, Zinha cuidava do doente, limpando-lhe o suor que descia da testa em torrente, com um pedaço de pano semi-molhado.
Na ausência de uma ventoinha, Sam Kinha, mãe da Zinha, com um leque de úlwa,[6] abanava o efémero, pacientemente. Mesmo se houvesse ventoinha, não havia energia, por isso tiveram que improvisar. Quem não improvisa alguma coisa nesta vida de improvisos?!

Depois de quatro horas de um Djambí[7] bem tocado, o lugar transformou-se numa autêntica fumarada. – Parecia-se com a panela de um comboio a vapor.

Lentamente, os olhos do meu irmão começaram a abrir-se. Aos poucos, começou por vislumbrar, aqui e ali, silhuetas imperceptíveis de pessoas, coisas e objectos, que se encontravam no interior da barraca. Mas quando finalmente os seus olhos se cruzaram com os ríspidos e intransigentes olhares do Senhor crucificado, deu um grande grito, pulou do leito improvisado, chocou abruptamente com uma das paredes da barraca, derrubando-a contra a multidão que aguardava, da parte de fora, e raspou-se dali que nem uma flecha. Até parecia que tinha asas nos pés.

Os curiosos que aguardavam, impacientemente, pelo sucesso da cura, perante o alvoroço que provinha do interior da barraca, desataram a correr em pânico.

- Kidalê-ô, kidalê-ô, povo-ê, à bi Zuda non fã...! Djina ku Dino Ka fé mindjã naí, n nachi bê moda kwa sé fá...plumê vê! (aqui-del-rei, aqui-del-rei, ó povo, ajudai-nos. Porque desde que o Dino faz cá o tratamento, não me lembro de ter presenciado uma coisa destas). – Comentou Sam Zuliana, pasmada!

- Está curado, está curado – bradou Sam Kinha, mãe da Zinha.

O cheiro da "muta" ficou gravado no meu nariz, durante pelo menos três semanas. Trata-se dum cheiro nauseabundo duma poção fabricada, especialmente para afugentar tanto os "espíritos maus" como as bruxas. Pega-se na "zaua vé"[8], "óvu pódlé"[9] e mais uma série de compostos, mistura-se tudo numa lata. Mal aconteça algum caso ligado ao sobrenatural, é automaticamente aplicada a famosa "muta". Não há defunto que a resista!

Os alvos preferidos, no banho da "muta", são os "piucus". "Piucus" ou (piá ukus) ou "vidjukus" (vidja ukus), eram homens, muitos deles "bolilos" (impotentes) que se agachavam por perto das casas de mulheres que, na ausência dos maridos, os traíam com amantes - a fim de se inteirarem da sua vida privada, para a provável divulgação na praça pública. Quando esses infractores eram apanhados em flagrante, as mulheres, escondidas atrás das janelas de suas casas, aplicavam-lhes o perfumado banho (de muta). Era assim que se curava a coscuvilhice em S. Tomé – um método eficaz e tanto.

Dino de Sousa, quando "montado", ganhava energia de uma pantera. A lentidão da sua chaga transformava-se em energia, de uma velocidade sem par. Pegou num pequeno crucifixo e saiu correndo atrás do Relof.

Relof, ainda assustado e meio atordoado, continuava a correr, sem limite nem intenção de parar. Ao dobrar a esquina, para entrar no quintal de Sam Ma Néné, tropeçou na raiz de uma cajamangueira e caiu. Automaticamente é alcançado por Dino de Sousa. Mal conseguia abrir os olhos.

Relof ainda não estava totalmente restabelecido do susto que apanhara na tenda do curandeiro. Dino de Sousa, então, não perdendo tempo, sacou do bolso um pequeno crucifixo preto e colocou-o no peito, semi-aberto, do meu irmão. Com a mão esquerda, retirou do bolso um frasco com uma efusão líquida. Molhou o indicador direito com o líquido retirado da garrafita, fez uma cruz no peito do paciente, tanto no lado direito como no esquerdo; fê-lo uma cruz na testa, outra atrás da cabeça, outra no centro da cabeça, outra um pouco abaixo do umbigo; uma em cada joelho, outra atrás dos joelhos; uma atrás de cada orelha e finalmente uma em cada planta dos pés.

Quando o Dino finalizou o trabalho, Relof estremeceu como que se estivesse a ser atacado por umas fortes febres. Aí aconteceu o insólito: saiu do seu corpo uma grande sombra. A sombra afastou-se dele e do curandeiro, uns 10 metros de distância. Aos poucos, a sombra foi crescendo, crescendo, até ganhar forma humana. A multidão que acorreu atrás do acontecimento, parou incrédula a observar. Dino, perante o perigo, gritou:

- Fujam daqui e levem o moço já convosco.

A sombra recuperou totalmente a forma humana e continuou a crescer, crescer, crescer, ainda mais, tombando para frente e para trás. Entretanto, alguém se lembrou de espalhar a água benta e gritar credo.
A "alima bluku", pela interferência da oração, [10]cresceu cerca de cinquenta metros ou mais de altura. Dino de Sousa foi-lhe controlando os movimentos, porque se este caísse sobre ele, era morte certa.
Então, quando a "alima bluku" pensara em atirar-se contra o curandeiro, este passou-lhe por entre as pernas abertas. O defunto desequilibrou-se, várias vezes, e partiu-se ao meio. Por onde caiu, aconteceu uma onda de devastação – nada ficou de pé. No dia seguinte, o rasto da destruição foi parar ao "m’bilá" que Relof e Syul tinham pisado.

Depois do lamentável incidente que levou o meu irmão ao paço do Dino de Sousa, a nossa vida nunca mais foi a mesma. Entretanto, Relof melhorara a olhos vistos, o que só veio a galvanizar o prestígio do Dino de Sousa.

Um triste incidente que devia ter conhecido outros contornos, veio alterar substancialmente tudo.
Meu pai, penso que não soube esconder a vergonha, nem admitir a culpa, pela forma como lidara com o assunto. Acho que foi por isso que ele alugara uma casa de alvenaria na vila de Guadalupe, no Vadji Lama-lama, para onde fomos morar, quando deixámos a roça.

Lembro-me desse tempo. Chovia, chovia e chovia. Mas nenhuma chuva de S. Tomé chegaria para pacificar tantas almas penadas algures sentadas sobre o seu "m’bilá", nas antigas roças de cacau – um perigo para quem não acredita, num tempo em que já não há curandeiros tipo Dino de Sousa.


[1] Entraram em êxtase

[2] Barraca feita de folhas de palmeira

[3] Ramos de palmeiras que se colocam uns sobre outros. Depois de rachados, perfurados por estacas pontiagudas, tendo por base troncos de bananeiras, na posição horizontal, até formar uma parede, aproximadamente entre 1,8m altura e 2m ou mais de largura, muito utilizada na construção de habitações tradicionais ou cercados

[4] Entrou em transe/ êxtase

[5] Vinho de elevada percentagem de álcool, que, bebendo-o, por pouco que seja, fica-se logo bêbado. Fig. Troca-tintas, “toma bé, toma bi”; intriguista

[6] Folhas de uma árvore de grande porte, geralmente utilizada como leque

[7] Música e dança exclusivamente praticadas em rituais secretos (magia negra)

[8] Chichi de muitas semanas

[9] Ovos de galinha estragados

[10] Alma penada, com poderes de grandes maldições

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A APLICAÇÃO DOS MANUAIS ESCOLARES

Extracto de Dissertação de Mestrado:
História da Educação em S. Tomé e Príncipe
Por: Jerónimo Xavier de Sousa Pontes

A aplicação dos materiais escolares, segundo a avaliação do relatório da Gulbenkian/MEC, foi passando de medíocre para suficiente. No entanto, por o sistema ser uma reprodução do modelo social no qual um pai não consegue garantir o sustento adequado à família, que fará custear os estudos dos filhos, então, os Manuais de Língua Portuguesa produzidos em cooperação entre Portugal/S. Tomé e Príncipe, através da Fundação Calouste Gulbenkian, são depositados na escola, a fim de serem gratuitamente cedidos aos alunos carenciados, a título de empréstimo. Ao longo do ano é assim que ainda funciona. O aluno não é dono do material, mas sim o Estado. Logo o valor afectivo imposto nesse tipo de relação não seria o mesmo, se o livro fosse do próprio aluno. É uma hipótese já avançada em Portugal recentemente, mas que não vingou. Pretendia-se com isto resolver o problema de financiamento de manuais aos alunos mais carenciados, afectos a SASE ([1]).

Um dos materiais didácticos de maior relevância no Ensino Secundário depois da Independência, foi o caderno diário. Funcionou durante muito tempo como substituto dos manuais escolares para todas as disciplinas. Normalmente, os professores, após a escrita do sumário, a única metodologia que dominavam era ditar os apontamentos, que os alunos muitas vezes escreviam da maneira como entendiam. Então os erros sucediam-se, principalmente da parte dos que faltavam. Era sistemático cometerem-se muitos erros ainda, quando copiavam dos colegas que provavelmente escutaram e escreveram mal, ou porque o próprio professor ditou, pronunciando incorrectamente determinadas formas.

O material didáctico produzido pela Gulbenkian, no fim de algum tempo, quer os cadernos de apoio dos professores quer os dos alunos, desapareceram na totalidade. Os docentes que ainda conservavam algum exemplar, não os facultavam aos colegas que iriam entrar pela primeira vez no sistema.
Os actuais manuais de Língua Portuguesa do Ensino Secundário não passam de uma colectânea de textos de vários autores, sem qualquer caderno de apoio do professor ou do aluno.
Durante todo o 1º período e quase metade do 2º, não se utilizam quaisquer textos do manual. Esta situação verifica-se porque os conteúdos programáticos da unidade temática foram alterados, o que veio a provocar o baixo nível de aproveitamento registado em torno da competência e performance linguística dos alunos. Actualmente, praticamente não existe qualquer manual escolar em nenhuma das disciplinas do curriculum em S. Tomé e Príncipe. Dos poucos manuais de Língua Portuguesa existentes, têm permitido que alunos andem de salas em salas pedindo livros emprestados.

O ensino centrado no caderno diário que contribuiu irremediavelmente para a degradação do uso da Língua Portuguesa, durante os primeiros anos da independência, regressou em força.
Contrariamente ao que se poderia supor, o Ministério da Educação de S. Tomé e Príncipe recebeu da UNESCO uma importante verba para fins do cumprimento dos objectivos da EPT 2000-2015, mas a situação mantém-se. Entretanto o novo Embaixador de Portugal, para o Ano Lectivo de 2004/2005, através do Sector cultural da representação Portuguesa, mandou reeditar os antigos manuais, esperando colmatar as lacunas ora existentes.

Sobre a evolução da história dos Manuais Escolares em S. Tomé, atentemos na análise do manual LEITURAS COLONIAIS, de Albano Alberto de Mira Saraiva e Carlos Rosa Machado de Faria, a fim de compreendermos como se organiza, estrutural e ideologicamente.

Este livro de leitura (manual) inicia-se com uma advertência: são falsos todos os exemplares que não tenham esta rubrica Albano A. de Mira Saraiva[2], seguida de uma dedicatória: “Redacção do Boletim À Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa Of. Albano Alberto de Mira Saraiva, Lxª 12 – XII – 33”. Precede-se-lhe uma chamada de atenção, em jeito de “Prefácio para a gente grande” (p. 4).

A elaboração deste manual, por particulares, é uma resposta ao decreto de 1929, publicado pelo Ministério da Instrução, determinando que fosse intensificada a sua aplicação em todas as escolas do Ensino Colonial, mas terá ficado letra morta, por falta de apoio do Estado. O manual Leituras Coloniais não recebeu qualquer patrocínio da parte do Estado Português.

Este pequeno apontamento realça a preocupação dos autores da obra, face à contrafacção; o papel do Estado enquanto financiador do sistema educativo; e o reconhecimento das intervenções do sector privado, enquanto patrocinador das actividades lectivas.

No respeitante à estrutura do Manual, infira-se:
Quanto à forma, existe um Prefácio com breves notas do autor. Depois segue-se um mapa. O papel do Mapa – um Planisfério – é bastante elucidativo. Era para mostrar, não só o percurso do Joaquim em viagem, como também para localizar as possessões portuguesas nos mais variados cantos do mundo. De seguida, vem a Introdução, onde se procedeu a um sumário crítico, explicitando o objectivo do livro e a importância do seu incremento.

Os Textos foram criteriosamente seleccionados e adaptados ao contexto linguístico, sociocultural, didáctico e pedagógico dos alunos, nas categorias de - informativos, narrativos, didácticos, poéticos - (especificamente sobre cada país visitado, e “Ainda duas palavras sobre os autores”). O livro termina com um exaustivo levantamento vocabular, o índice e o posfácio.

Quanto ao conteúdo, o livro fala-nos da Leira do Joaquim; da localização geográfica dos países do ultramar; dos feitos heróicos portugueses; da fauna; da flora, e das riquezas do solo e do subsolo).
Trata-se dum livro de leitura dirigido às crianças, mas que, curiosamente, apresenta um prefácio destinado aos adultos, referindo que “Não é este Prefácio destinado aos pequenos leitores dêste livro, que a êsses só os interessará o Joaquim, o protagonista do livro (...) ”. Diz que o prefácio “é para os pais dos pequenos e ainda para os professores que, com o auxílio doutros, serão na escola primária os iniciadores duma grande obra”.

O livro tinha como objectivo dotar os alunos, pais e professores de um instrumento didáctico e pedagógico, base de orientação para um estudo organizado, estruturado, sistematizado e coerente. E, para que os alunos não se sentissem desapoiados, segundo as pretensões dos autores, como que recorrendo ao jogo ideológico, dedicaram o prefácio da obra aos seus mais directos destinatários: aos pais e aos professores. Isto porque, enquanto os pais representam a imagem tradicional da família, os professores servem de veículo ideológico do poder.

Os autores do manual reconheceram entretanto que, não obstante tivessem produzido um instrumento de inegável valor, a obra pareceu-lhes incompleta, carecendo ser completada com recurso às obras doutros escritores – o que realça efectivamente o papel de um livro de leitura e nunca algo hermeticamente cingido sobre si mesmo.

Os meninos são enquadrados nesta história/estória como o conjunto das relações entre diferentes membros dum grupo sociográmico ([3]); pois “Aos meninos, cabe a História do Joaquim” – há um aspecto Ideológico subjacente a esta expressão: os meninos não podem entrar prematuramente no mundo dos adultos. Quando isto acontece, revelam-se frustrados; pois chegada a idade adulta, compreenderão que não terão vivido a sua infância. Não deixa de se constituir numa chamada de atenção para os adultos: não devem utilizar os manuais para veicularem as suas aspirações, sejam elas de que naturezas forem. Por isso, aos “meninos, cabe a história do Joaquim”.

O protagonista da história é aquele cuja missão é narrar às outras crianças as peripécias de uma viagem espectacular pelo imenso mundo português, ao encontro de outras terras, outros povos, outros hábitos e costumes, a fauna, a flora, a orografia.

Ao nível sociocultural, tratar-se-á de uma viagem ao encontro de culturas, que poderá ser vista, nesta análise, na perspectiva em que ela aconteceu. Com o efeito, o propósito da excursão visava “Ensinar as crianças portuguesas a conhecerem e amarem êsses múltiplos espaços de Portugal a que chamamos colónia”, tendo em atenção:

· o aspecto ideológico – “os seus autores dão, pela sua competência e pelo seu patriotismo, sólidas garantias de que o livro corresponde aos seus elevados propósitos”.

· a capacidade pedagógica dos seus autores, aliada à experiência obtida In loco - “o inspector escolar Mira Saraiva trouxe para o livro a sua competência pedagógica, o coronel Roma Machado (...) o seu saber e experiência sobre as colónias portuguesas”.

· a política educativa e o financiamento do Estado - o fraco poder interventivo do Estado na incrementação da política educativa “são devidos particular elogios aos autores dêste livro pois meteram hombros à sua publicação sem nenhum apoio oficial, com a única ambição de bem servir”.

· o ideal expansionista - dar aos portugueses de Aquém e Além Mar os ensinamentos de mútua compreensão que colidem, não só no domínio sentimental, mas também no das realidades, o espírito de uma nacionalidade cujas terras se alargam por quatro continentes.

· o exotismo – toda a obra se centra numa viagem tipo Piloto Anónimo, Marco Polo, ou Fernão Mendes Pinto – há um europeu que viaja para um espaço extra-europeu, e delicia os que nunca lá estiveram com estórias fantásticas. Mas a viagem em si estava carregada de uma elevada simbologia, pois tratava-se do privilégio que se assistia àqueles que se esforçavam: o menino europeu bem comportado que ascende na vida por obediência, e vai visitar uma grande parte da herança do povo português espalhada pelo mundo.

A ideologia é veiculada através de textos, nos quais em tudo o homem branco, por mais que esteja em apuros, vence (- veja-se p. ex. o ataque dos negros armados com azagaias contra um branco (p.124)).

Os casos mais paradigmáticos neste manual são, por exemplo, a história do “Feitor Mau” (pp. 44-45); “Amigos de Infância” (p. 79), e “Terras Africanas” (pp. 104 a 108). São estórias sobre usos e costumes dos indígenas. Nelas, evidencia-se a tentativa de conversão das crianças negras ao catolicismo, nas quais se realça, implicitamente, a temática da antropofagia, e das crenças populares. A temática do “bom selvagem” é evidenciada através da caracterização física e psicológica do indígena. A deformação dos indígenas por meio de caricaturas é uma evidência em todo o manual.

Contrariamente aos outros espaços, devidamente observados na obra, chega-se a desconfiar das intenções dos autores textuais sobre Cabo-Verde e S. Tomé e Príncipe. Há subtileza na descrição do espaço, na selecção das ilustrações e na forma como os autores da obra lidaram com a temática do crioulo de Cabo-Verde. Não nos admiremos pois, que essas ilhas tenham sido criadas para funcionar à imagem e semelhança de Portugal, só que a História encarregou-se de lhes mudar o rumo. A africanização acentuou-se muito mais em S. Tomé e Príncipe do que em Cabo-verde.

Na obra Leituras Coloniais, “o rural é o espaço de referência dominante, objecto de descrições nas quais predominam retratos de uma natureza pujante e bela” – a flora santomense, as tabancas da Guiné-Bissau, o sertão angolano e moçambicano. Intercalam-se outras estórias em jeito de excertos que se complementam com cenas do quotidiano. Mostram sentimentos de desejo, cenas furtivas de incursões de caça, pesca, etc., assim como as diferentes formas de manifestações culturais. No retrato, o quotidiano é realçado através das produções agrícolas, das habitações tradicionais, das aulas ao ar livre. Tudo isto em conjunto apresenta uma outra faceta da realidade. Ainda que idilicamente, é evidenciada uma grande falta de investimentos por parte de quem tutela: os homens, as mulheres, as crianças, as construções sem um mínimo de condições, foram habilidosamente focados.

Ao longo do manual, houve a preocupação de se apresentar, em jeito de síntese, narrativas de eventos históricos, assim como actos de heroísmo praticados por dever patriótico: descrições de lugares, textos de autores com ligação afectiva a cada país, o que anunciava uma nova postura no campo ideológico.

Ao nível temático predomina a mitologia da Expansão Marítima com a correspondente alegoria visionária: a caravela, o padrão, o soldado, o exotismo do espaço conquistado, o forte, e a figura sacralizada do evangelizador.

Na dimensão épica, a espiritualidade telúrica é expressa na defesa e conservação da Pátria. Muitas vezes, nessas manifestações em que se realçam a grandiosidade de um espírito nacional, pode ganhar dimensões satíricas, como acontece neste poema inserto na obra:

Que importa ao Portugal, que Camões
Cantou, o desvairado gesto dumas dúzias
De maus portugueses? Meus filhos, nes-
tes momentos de desgraça e desânimo
que os Lusíadas nos sirvam de Bíblia:
Rezai por eles e desta oração a vossa
Alma sairá desanuviada, cheia de orgu-
Lho e bem crente na eternidade do nome
De Portugal.

Que eu canto o peito ilustre Lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que outro poder mais alto se levanta (
[4]).

O aluno Joaquim incorpora em si as formas de uma contemplação mítica, de um envolvente impulso regressivo, de uma devoção telúrica, enfim de uma procura, no fundo, doutrinal, das raízes ocultas do carácter nacional, sobretudo uma elevação quase corpórea perante os desafios da colonização.

Globalmente, em As Leituras Coloniais, verifica-se que em quase toda a sua extensão se faz conduzir por um leitmotiv “indígena”; ou a um objecto, “a terra” ou a um sentimento, “a religião” – ideologia colonialista, incarnada no Joaquim da Leira.

O conceito indígena assume uma dimensão polissémica, isto é, ambígua, a partir de uma determinada altura. Anteriormente, poder-nos-ia remeter para uma situação de miséria, pobreza absoluta (indivíduos absolutamente pobres), mendigos, pessoas que viviam de extrema necessidade e de carência mental ou intelectual. Por outro lado, e sintomaticamente, significava autóctone de um dado país, sem qualquer semântica pejorativa – será nesta ou naquela acepção que o estado de indigenato é realçado, implícita ou explicitamente, em toda a dimensão da obra. As culturas e os costumes indígenas são alvos de caricatura, cingindo-se a uma representação burlesca de pessoas ou acontecimentos para os ridicularizar, quer pelo seu aspecto quer pelos modos, se atentarmos nas ilustrações e nas estórias fantasiadas nela expressas – tudo para fins didácticos e pedagógicos.

A figura do professor, ao longo da obra, enquadra-se na perspectiva de um indivíduo sabedor, de grande mérito e respeitabilidade, chegando a desempenhar uma função extremamente importante na hierarquia familiar do aluno. O professor apresenta-se num plano superior ao do próprio pai. É a ele quem cabe as decisões mais importantes, como no caso do Joaquim da Leira, e só depois as comunica aos pais do aluno.

O exotismo é aqui referenciado na apresentação dos hábitos e costumes de países de climas diferentes do da personagem. Assim, o que é exótico passa a ser conotado com aquilo que é de fora, do estrangeiro ou que tivesse que ver com costumes estrangeiros, esquisito - extravagante, aos olhos do visitante (p.124). Mas a linguagem utilizada não indicia qualquer intenção etnocêntrica. Só o percebemos a partir de uma leitura em perspectiva.

T oda a temática do manual é apresentada em termos do ruralismo (p.11). As personagens apresentam-se todas descalças – uma possível ou casual analogia com o menino negro (p.81) na sala de aula que contrasta com a da escola da (p.115).

Para além do manual em análise, ao longo do colonialismo, vários outros manuais terão sido adoptados pelo Ministério da Instrução na monarquia e pelo Ministério da Educação na República Portuguesa.

Em 1941, é adoptado o livro da 1ª classe como “livro único” nas escolas primárias portuguesas. Isto aconteceu durante largo período da Ditadura Nacional (1ª edição, da Livraria Sá da Costa).
Em 1944, a Livraria Popular de Francisco Franco, publica, sob autoria de Santos Lameirão e Frutuoso de Carvalho (professor do Ensino Técnico e Profissional), um livro de leitura de Língua Portuguesa, intitulado Aquém-e-Além-Mar, com um extenso subtítulo: “Esta é a ditosa pátria minha amada” - Selecta Portuguesa, 1ª Parte (1º e 2º ano), 6ª edição, para uso dos alunos das Escolas de Ensino Técnico Profissional.

Em 1958, o Ministério da Educação Nacional edita o Livro da 2ª classe (6ª Edição), da Educação Nacional, de Adolfo Machado.

Tanto o livro da 1ª como o da 2ª classe, ambos apresentavam uma organização estrutural bem delineada, mais adequada às idades das crianças. Nesses manuais, por acaso muito bem elaborados, para além da leitura dos textos que proporcionavam, havia atractivos outros que tinham que ver com as ilustrações. A ilustração surge-nos como uma componente visual de inegável relevância, possibilitando aos alunos a ligação entre o concreto e o abstracto – a ilustração, entenda-se, um processo que visa esclarecer, fazer compreender uma ideia, um conceito, um pensamento, um texto, por imagens (a imagem diz respeito ao ensino na sua qualidade de:

- reprodução duma percepção na ausência do objecto que a provocou
- visão interior, muitas vezes subjectiva, aparentada com a recordação, ou representação duma coisa, dum ser
- reprodução dum objecto por actos gráficos ou plásticos, pelas técnicas audiovisuais), exemplos, explicações ([5])

Sobre os manuais aplicados no colonialismo e no pós-colonialismo, atentemos agora nalguns extractos desses manuais, aplicados em S. Tomé e Príncipe, tendo em conta o enquadramento temático:

(No colonialismo)
a) religioso:

Foi Deus,
Meu amor!

- Mãezinha, quem fez as árvores?
Quem pintou o azul dos céus?
Quem fez as serras e os montes?
Quem fez os rios e as fontes?
- Meu amorzinho, foi Deus.

b) do quotidiano laboral:

A dona de casa

Emilita é muito esperta e desembaraçada, e gosta de ajudar a mãe.
- Minha mãe: Já sei varrer a cozinha, arrumar as cadeiras e limpar o pó.
Deixe-me pôr hoje a mesa para o jantar.
- Está bem, minha filha. Quando fores grande, hás-de ser boa dona de casa.

c) dos costumes:

Dizei a verdade

- A minha filha não se senta à mesa, porque ainda não lavou as mãos.
- Minha mãe, lavei-as mesmo agora.
A mãe pega nas mãos da Olga, examina-as e olha demoradamente para a filha.
Esta compreende os olhares da mãe e diz-lhe:
- Minha mãe! Desculpe. Eu vou já lavá-las...

d) de amor à Pátria:

Viva Portugal
é a nossa Terra.
é a mais linda de todas as Terras
do Mundo!.

Todos esses manuais normalmente dividiam-se em dois grandes blocos: um para o exercício ou prática da leitura e interpretação, outro reservado à aritmética. Tudo isto fazia parte da estratégia do livro único, introduzido durante o governo do Estado Novo. A parte reservada à aritmética da 1ª classe, relacionava-se com a composição e decomposição de números, conhecimento dos algarismos, a noção de zero, a numeração, a noção de dezena, a adição ou soma, com transporte, de dois dígitos; soma, sem transporte, de dois compostos; as subtracções sem empréstimo e com empréstimo; a multiplicação e a concretização da tabuada, a multiplicação, com transporte, de um composto por um dígito; a divisão de um dígito por outro; divisão, com transporte, de um composto por um dígito, e exercícios vários de aplicação sob formas de problemas.

Na segunda e na terceira classes, repetia-se a estrutura do manual da 1ª classe, mas com conteúdos mais adequados a estes níveis. Já na 4ª classe, havia uma melhor elaboração e controlo das actividades, pois tratava-se de classe terminal. Com a 4ª classe podia-se prosseguir os estudos no exterior, podia-se entrar para o funcionalismo público, podia-se obter a carta de condução, etc. Tempos houve que, com este grau de ensino ou mesmo com uma simples 3ª classe, se admitiram candidatos no curso de enfermagem. Na altura havia os tais exames do 1º e do 2º grau, dos quais muitos professores do ensino primário antigo não possuíam mais do que o 2º grau.

Com o andar dos tempos, os manuais escolares foram-se especializando e as sucessivas mudanças políticas obrigaram a alterações de atitude dos governantes de Lisboa. Porém, no que respeita à política ultramarina, os temas neles desenvolvidos, pouco ou nada se alterou, sobretudo quando o assunto fosse Religião, Pátria ou Família.

A questão da manutenção de temas como Deus, Pátria e Família nos manuais escolares era um recurso ideológico importante, a partir do qual o povo era regido à base da cega obediência. Por isso, e por se tratar de uma matéria deveras sensível do ponto de vista da reivindicação do homem negro, os movimentos negritudinistas tornaram-se mais exigentes. Quando as posições se extremaram, os sinais de cedência começaram fazer-se sentir. Mas as alterações só se verificaram ao nível estético, tendo-se esfumadas as caricaturas e aspectos que indiciassem o etnocentrismo.

Os temas relacionados com as possessões portuguesas em África são recuperados a partir de uma integração plena desses espaços, deixando de constituir refúgios para fins exclusivamente de lazer. De qualquer maneira, nesses espaços exóticos, o outro é também português, mas o seu estatuto de africano era manifestamente suficiente para suscitar atitudes como a que ilustra o excerto do manual da 4ª classe (pp. 51-52), durante o período do Estado Novo:

Dois Portugueses

No recreio, os meus alunos brincavam. Eu, perto, vigiava-os.
Na escola, havia dois pequenitos angolanos, mulatos, inteligentes e de que todos os seus condiscípulos eram amigos. Frequentavam a 4ª classe e o seu comportamento era exemplar.
O pai, abastado proprietário em Angola, havia sido já meu aluno. (...).
Em certo momento, ouvi por trás de mim conversa animada. Voltei-me e vi um deles a discutir com o seu companheiro de classe. Dizia este:

- És português de Angola...
- Mas sou português...- retorquiu o meu aluno de cor.
- Mas eu sou português de Portugal!
- Mas eu também sou português – insistia o pequeno angolano, mas já com um certo receio na voz.
- Mas nasceste em África eu é que sou bem português – replicou o companheiro, com uns certos ares de superioridade e orgulho.
- Eu também sou português – repetia, teimosamente, o outro, cada vez mais triste.
Aproximei-me. Pus cada uma das mãos sobre os ombros dos meus dois alunos, aproximei-os mais um do outro e disse-lhes:
- Manuel, tu, afinal, não tens razão nenhuma em quereres ser mais português do que o Luís. Nascer em Angola é nascer em Portugal. Não digas que o Luís é português de Angola e tu és português de Portugal.
- Mas ele nasceu em África. Eu é que sou bem português – ia a retorquir Manuel.
- Pois nasceu, e pode sentir-se tão orgulhoso
disso como tu de nasceres na cidade do Porto.

“D. E”

A partir dos meados dos anos 50 do século XX são introduzidas novas alterações na elaboração dos manuais escolares. As ilustrações, que a tudo remetiam para o cómico de linguagem e de situação, são substituídas por outras mais pomposas. A metodologia adoptada para a elaboração dos manuais escolares sofreu alterações significativas, mantendo-se porém canonizados aspectos de relevância político-ideológica.

A problemática da ideologia mantém-se através da temática da valorização dos feitos históricos, da exaltação do poder através das proeminentes figuras como a do Professor António de Oliveira Salazar, a do seu sucessor, o Contra-Almirante Américo Tomás e a do Presidente do Conselho, o Senhor Doutor Marcelo Caetano.

Do Doutor Oliveira Salazar, saíram estas célebres expressões: ”obedece e saberás mandar”; “Mandar não é escravizar; é dirigir. Quanto mais fácil for a obediência, mais suave é o mando” – slogans ideológicos como estes, predominaram os manuais escolares da época.

Um dos aspectos ideológicos patentes na obra (livro de leitura da 4ª classe) relaciona-se com a forma como as capitais das ex-colónias são exibidas nas ilustrações. São apresentadas, quer do ponto de vista arquitectónico quer do ponto de vista sociocultural, como uma autêntica metrópole, inserida no continente africano, deixando transparecer, de facto, um Portugal uno e indivisível. Essas representações sustentavam a tese de um Portugal multirracial e pluricontinental.

A partir da década de 50, começa-se a notar alguma preocupação no campo educativo, pois as exigências dos tempos modernos assim o determinavam. Por exemplo, pese embora os manuais da Língua Portuguesa, de uma maneira geral, estruturalmente mantivessem alguma homogeneidade, os do ensino Preparatório “Telescola” (1970-1972), eram inequivocamente de substancial inovação.

A partir do ano lectivo de 1969/70, os manuais escolares que eram editados e distribuídos pelo Ministério da Educação Nacional (Pt) e por outras editoras (Pt), passam a ser editados na província ultramarina de Angola, a cargo da Editora Lello e Irmão.

Com a queda do regime colonial, a implementação dos manuais coloniais cessa. Após a ascensão do país à independência em 12 de Julho de 1975, assiste-se a partir daí a uma reacção por parte dos novos dirigentes no que se refere à produção e comercialização de manuais escolares.

Os primeiros manuais escolares, pós-independência, começaram a ser produzidos inicialmente em 1976 pelo INED (Instituto Nacional da Educação e Desportos) somente para o Ensino Primário. Com o apoio técnico cubano, no ano lectivo de 1978/79, reestrutura-se melhor o sector educativo, introduzindo-se os novos manuais.

O manual escolar de Língua Portuguesa da 1ª classe intitulava-se, O MEU LIVRO DE LEITURA. O manual inicia-se com uma dedicatória aos pioneiros:

(Pós-colonialismo)

CAMARADA PIONEIRO

Colocamos este livro
Nas tuas mãos
É um maravilhoso
Instrumento de trabalho
Para a tua educação
Cuida dele com carinho
Pois os companheiros mais novos
Esperam recebê-lo das tuas mãos.
Obrigado

É interessante verificar que o termo “Pioneiro”, retirado do contexto político, é reinterpretado na semântica educativa como aquele que segue, que reproduz os modelos ideológicos instaurados. Por isso, o pioneiro era uma ponte de ligação entre a política e a escola. Representava a escola em cerimónias políticas, e representava a política nas cerimónias escolares.

Outros temas similares povoam o manual, como por exemplo os da política militante:

· Dia dos trabalhadores
· O dia 1 de Junho
· 12 de Julho
· O nosso País é livre
· O Dia 19 de Setembro
· O dia 30 de Setembro
· Os símbolos da Pátria
· Hino dos Pioneiros do MLSTP/OPSTEP
([6])

Para além dos conteúdos de natureza política, encontramos também, ao longo dos manuais escolares do período pós-independência, abundantemente, temáticas do âmbito sociocultural, da higiene e da saúde.

A) temática sociocultural

O Celestino e o Adriano são da cidade de Santana.
Quando querem passear, um assobia ao outro.
No domingo passado (,) deram um passeio à cidade capital. Passaram pelo Parque Popular onde viram dançar Ússua, Socopé e jogar (a) Cacete.
Assim, passaram uma tarde alegre. A Ússua, o Socopé e o jogo do Cacete são cultura do nosso Povo.

B) temática da higiene

A Higiene

Ao acordar (,) a Olívia grita para a mãe:

- Mãe, mãe! Já é tarde, tenho de ir à escola.
- Ainda é cedo, minha filha, levanta-te e arranja-te com calma.
Ela levanta-se e vai à casa de banho.
Em seguida, veste-se e penteia-se com cuidado para não deixar cair os cabelos no chão.
A mãe chama-a para tomar o pequeno-almoço.
Depois disso vai à casa de banho lavar a boca evitando assim que os dentes se estraguem.
Ao sair, despede-se da mãe e vai para escola».

C) Temática da saúde:

Ao sair da escola, o Ismael pergunta ao Vilhete:
- Já sabes que existe uma ervanária no nosso País?
- Sei, sim.
- Como é que ela se chama?
- Ela chama-se ervanária Ginseng.
- E o que é uma ervanária?
- A ervanária é uma casa comercial onde se vende(m) produtos feitos com ervas medicinais.
Esses produtos curam muitas doenças tais como: diabete(s), anemias, hepatite(s), tuberculose e outras mais.
Nesta casa (,) vende(m)-se também plantas medicinais da nossa terra, ou não?
- Não. Mas se ainda não se vende(m), devemos trabalhar para que (isto) aconteça.

O manual da primeira classe, fruto da cooperação entre a Fundação Calouste Gulbenkian e o MEC (STP) vem alterar significativamente a redacção dos textos, adequando-os à nova metodologia, a do Português Língua Segunda.

Tanto para o manual substituído como para o actual, os actores tiveram o cuidado de seleccionar as ilustrações e adequá-las ao conteúdo do texto. Comparando o manual da 1ª classe de 1979 ao de então, poder-se-á inferir que as matérias de ensino foram drasticamente reduzidas, satisfazendo os critérios adoptados para a implementação da metodologia do Português Língua Segunda.

Com a implementação dos manuais produzidos pela Gulbenkian/MEC (STP), dados recentes confirmam a sua caducidade, requerendo a sua urgente substituição a todos os níveis. Isto porque, se se está a verificar uma acentuada degradação no ensino da Língua Portuguesa e sua consequente repercussão no hábito linguístico da população estudantil ao nível da escrita e da oralidade. Esta situação só pode ter uma explicação: ou os manuais são produzidos não atendendo ao tempo de duração, ou então a parte económica que deveria sustentar a sua renovação não terá sido garantida. Não havendo dados que confirmem esta posição, tudo leva a crer que esses manuais já terão mais de 10 anos, após a sua adopção.

Um outro aspecto que empobrece os manuais de Língua Portuguesa em S. Tomé e Príncipe tem que ver com a parte ilustrativa. Nos manuais da 5a e 6ª classes do Ensino Secundário Básico, as ilustrações não ajudam na captação da atenção. As ilustrações são, na globalidade, a preto e branco, o que não estimula a atenção.

Os manuais da 5ª e 6ª classes, do ponto de vista pedagógico, provavelmente terão sido elaborados sob a dinâmica orientadora da nova pedagogia, sem realçar qualquer aspecto ideológico.

Na 6ª classe, o manual é composto por 8 unidades temáticas, para além da parte preambular, onde são apresentados exemplos de textos informativos sobre os conteúdos da lição.

As 8 unidades temáticas centram-se em torno dos seguintes itens: A Escola, A Família, OS Amigos, A Escola e Comunidade, OS Tempos-Livres, A Comunicação, O País, O Prazer de ler.

Todos os temas tratados no manual, embora já tenham sido referenciados em vários contextos educativos, a abordagem actual pouco difere da dos produzidos durante o colonialismo e pós-colonialismo. Os textos vão desde os clássicos como Almada Negreiros, José Mauro de Vasconcelos, Virgílio Ferreira, Pepetela, Teixeira de Sousa, ou Rui Cinatti, até aos modernos como Manuel Rui e Albertino Bragança.

Agora, vejamos, a partir dos excertos abaixo, algumas passagens dessas temáticas:

A) Escola
A escola

Pede-se a uma criança: “Desenha uma flor”. Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase que não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas ao peso do lápis era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor (...).

Almada Negreiros, in “A Invenção do Dia Claro

A escola, em Almada Negreiros, ressalta o aspecto psico-pedagógico de uma aula na qual a criança inicia o seu percurso pedagógico. Este tipo de tema é também abordado no Livro da Primeira Classe de 1941, (p.41) “Jogando às Escolas”; no Livro de Leitura da Segunda Classe, 6ª Edição, 1958 (p.20), “O Quadro da Escola”; no Manual de Língua Portuguesa, 5ª Classe, República Democrática de S: Tomé e Príncipe, (p.11), “A Escola na Colina”; no Manual de Língua Portuguesa, 6ª classe, (pp. 9 e 55).

A abordagem de temáticas relacionadas com a “escola” serve para realçar a sua importância, enquanto espaço do exercício da escolástica. Entenda-se ensino realizado de acordo com o seu formalismo, seu tradicionalismo e a sua logomaquia([7])/o que nos remete para uma filosofia formalista, abstracta, teológica, da Idade Média, cujo modelo, ainda que alterado, conforme o enquadramento sociocultural de cada país, é o que ainda permanece.

B) Tempos-livres

Os tempos livres abrangem todas as actividades não escolares e familiares às quais a criança se entrega, a fim de se divertir e descansar. O tempo livre se enraíza no jogo infantil prolongado pela mesma criança: o tempo livre é a forma diversificada e aculturada do jogo([8]). Como exemplo de “tempos-livres”, vejamos o extracto de um conto tradicional cabo-verdiano, por João Lopes Filho:

O molho-de-capode

À noite houve baile em casa de Nhô Pirico. Na sala ornamentada de papel de seda e iluminada por candeeiros de petróleo, as damas ocuparam cadeiras dispostas junto às paredes. Trazendo roupas de tons escuros e lenços à cabeça, as senhoras sentavam-se nos lugares discretos, enquanto as mocinhas, em cabelo, procuravam dar nas vistas com os seus vestidos novos de cores vivas.

Mané Pala, organizador do convívio, informou eufórico que não se tratava de um “baile nacional” (ao qual todos teriam acesso), mas sim de uma confraternização especial em que até seria servido, de madrugada, um molho-de-capode e deu seguidamente a lista de convidados, pois aí não havia cabimento para os olhantes dançarem.
João Lopes Filho, Estória. Estória... Contos Cabo-Verdianos

Tempos Livres (Loisirs/Spare Time), é o período de tempo de que as crianças necessitam para se abstraírem do mundo formal da escola e da família, normalmente designado por (brincadeiras). A partir do texto dado, poder-se-á promover a interdisciplinaridade.

[1] Serviço de Acção Social Escolar.
[2] Não foi possível a reprodução da rubrica do Autor da obra LEITURAS COLONIAIS, de 1933, por esta prática se revelar pouco lícita.
[3] Sociograma: Em sociologia descritiva, este termo designa a figura que tem por objecto representar o conjunto das relações individuais entre os diferentes membros dum grupo
O sociograma serve-se duma técnica que visa estabelecer o diagrama das relações inter-individuais que constituem a estrutura dum grupo (...).
[4] Saraiva, Albano Alberto de Mira (1933), Leituras coloniais, p.28.
[5] Leif, J., Vocabulário Técnico e Crítico da Pedagogia e das Ciências da Educação; Editorial Notícias, p.208
[6] Organização de Pioneiros de S. Tomé e Príncipe
[7] Leif, J., Vocabulário Técnico e Crítico da Pedagogia e das Ciências da Educação; Editorial Notícias, p.149.
[8] Idem, p.425.