Extracto da Dissertação de Mestrado
Por:
Jerónimo Xavier de Sousa Pontes
O processo Ensino/Aprendizagem é uma moderna expressão didáctico-pedagógica, na qual a escola se vê desvinculada do seu papel único e exclusivo de “transmitir conhecimentos” através de um mestre-escola, e os alunos, mera peça, para onde são canalizados saberes.
A pedagogia moderna vê no professor um orientador das actividades lectivas. Entre este e o aluno desenvolve-se uma relação de intercâmbio, na resolução de tarefas ditadas pelos objectivos programáticos. O professor transmite e recebe informações que lhe ajudariam a interpretar determinados fenómenos. Com efeito, quantas não são as vezes em que um professor prepara as suas lições, perspectivando uma dada meta, e já na sala de aula, há um aluno que levanta uma certa questão ou apresenta uma dúvida para ser esclarecido?
Acontece que, muitas vezes, essa situação acaba por alterar substancialmente todo o percurso da lição inicialmente pensado. Por isso, o professor deve estar preparado, isto é, dotado de elementos teóricos que lhe possibilitem, por algum instante, desviar do objectivo previamente proposto, e esclarecer o aluno. Assim se fundamenta a importância da formação de quadros docentes.
Os fundamentos do processo ensino-aprendizagem são dos mais variados tipos. Então, de acordo com o plano curricular do Sistema Educativo são-tomense, em que modelo assenta o Processo Ensino – Aprendizagem? Por exemplo, «antigamente a escola preocupava-se com o ensino, por se julgar que ensino implicava sempre aprendizagem. A generalização do cumprimento da escolaridade e o aparecimento maciço do insucesso escolar chamaram a atenção para a situação do aluno e para os mecanismos da aprendizagem. Considerou-se então a necessidade de uma maior articulação entre as actividades de transmissão e as actividades de aquisição. Ensinar é sobretudo aprender. Ser professor é facilitar e orientar a aprendizagem, isto é, despertar o interesse e apoiar o aluno a relacionar as aprendizagens já realizadas e aquelas que lhe são postas» ([1]).
Num sistema educativo baseado em infra-estruturas degradadas, tecido social em luta permanente pela sobrevivência, com turmas do secundário com cerca de 70-80 alunos, é óbvio que não se pode falar do processo ensino-aprendizagem no sentido real do termo. Mas pode-se falar de alguma aprendizagem. Porque se trata de um processo algo complexo e joga em muito com a motivação individual de cada um. Por isso os estudantes são-tomenses, movidos pelas circunstâncias sociais, têm-se agarrado aos estudos com avidez, não desperdiçando tempo.
Actualmente, nas salas da Biblioteca Nacional, do Centro Cultural Português e do Arquivo Histórico, os estudantes têm recebido apoio técnico, materiais didácticos e manuais escolares, fruto da cooperação entre S. Tomé e Príncipe e a Fundação Calouste Gulbenkian. É também relevante frisar que a globalização tem contribuído para que, através da Internet, alunos são-tomenses colmatem grande parte de lacunas que, somente, através dos manuais nunca o conseguiriam.
OS MATERIAIS DIDÁCTICOS E OS MANUAIS ESCOLARES
Os materiais didácticos e os manuais escolares ([2]) são uma componente do Processo Ensino-Aprendizagem.
Um manual escolar é também um material auxiliar de estudo, por isso não passa de um meio para atingir a um fim. O seu uso varia substancialmente de disciplina para disciplina. Porque, certas disciplinas requerem mais que outras o uso do manual, como acontece com o ensino da leitura e da Língua Materna ([3]), (no caso são-tomense, o ensino da Língua Oficial/Língua Segunda) em que os alunos têm necessidade de textos.
Em certas disciplinas do curriculum como “História ou a Geografia, o manual pode oferecer leituras documentais. Na verdade, depois de ter feito observar a natureza e o meio ambiente, à criança, o livro funciona nesse contexto como complemento de informação; a criança reencontrará aquilo que já tinha descoberto por si mesma.
Assim, o manual, conforme a disciplina e as circunstâncias, fixa e coordena na memória as ideias e os factos desenvolvidos durante a lição e completa esta com úteis leituras.
Convenientemente utilizado, o manual é ao mesmo tempo um instrumento de consolidação e um instrumento de estudo inteligente.
Destas notas decorre que o mestre deve utilizar o manual com certa prudência. O erro frequente consiste em querer segui-lo passo a passo, quando na verdade se impõe uma constante selecção. O manual, auxiliar do professor (auxiliar precioso e mesmo indispensável), não pode todavia substituir o mesmo professor”([4]). Mas no caso são-tomense, sem os manuais seria catastrófico. Porque grande parte de professores não possui qualquer formação. Daí que, sem recurso ao manual, ainda que desvirtuando os preceitos pedagógicos, mais valeria, em contexto actual, substituíssem os próprios professores.
A escolha dos manuais escolares é (geralmente) efectuada após consulta aos professores – recomenda a pedagogia.
· Para o ensino primário, pelo director da escola, após consulta aos professores e com referência a uma lista estabelecida anualmente em conferência pedagógica;
· Para o ensino secundário, pelos conselhos escolares;
Em S. Tomé e Príncipe, é provável que isto se tenha verificado mas, que se saiba, só ao nível de disposição de uma lista do que deveria ser adoptado, e nunca a sua escolha em conferência pedagógica. Era a metrópole que ditava o que se podia aplicar no ultramar.
De 1975 a 1989, só havia manuais escolares ao nível do ensino primário, orientados pedagogicamente pelo modelo cubano. Esses manuais eram, para todos os efeitos, a que melhor organização apresentava. Ao nível do secundário, deixou de haver manuais escolares. As aulas passaram a ser feitas por meio de fotocópias de textos fornecidos pelo GEPP. Por isso deixou-se também de praticar o hábito de leitura.
Após o colonialismo, inicia-se um período de grande deserção no campo editorial. As casas particulares que importavam livros escolares como gramáticas, aritmética ou livros recreativos, deixaram de o fazer. Esta situação podia ter sido dirimida com recurso à produção de materiais escolares pelo MEC ou, como alternativa, o MEC que deliberasse pela aquisição desses materiais através da liberalização do mercado livresco, firmando contratos com editoras especializadas no assunto. Mas fornecer apontamentos, na altura, era muito mais prático e supostamente barato. Por isso, não havia qualquer livro de leitura em nenhum nível de ensino secundário. As aulas de Língua Portuguesa pendiam para a análise gramatical onde o esquema mattosiano e chomskyano de representação da frase em árvore e em reescrita, substituíam as de análise textual e de reflexão sobre a língua. Era um método considerado caduco e sem qualquer interesse para a aprendizagem da análise frásica ao nível do básico ou do secundário, rejeitado no sistema de ensino francês, adoptado pelo sistema português e transplantado para o ensino são-tomense pelos professores cooperantes portugueses, os primeiros a irem a S. Tomé e Príncipe após 25 de Abril de 1974.
A análise textual circunscrevia-se a excertos de obras literárias, tirados a stencil. Eram excertos de textos que faziam lembrar o período da reivindicação cultural e literária impulsionado por Léopord Sedar Senghor, León Damas, Aimé Césaire, mais tarde retomado por Francisco José Tenreiro e Mário Pinto de Andrade, nos anos 50.
O Liceu Nacional recebeu várias ofertas de manuais escolares (Língua Portuguesa) provenientes de Portugal. Mas depois de analisados, foi considerada desadequada a sua aplicação. Entretanto, sempre havia um ou outro professor que os recorria esporadicamente nas suas aulas, porque, na ausência de qualquer bibliografia adoptada, esse procedimento era menos o mal.
Com a cooperação entre o Ministério da Educação de Portugal/Fundação Calouste Gulbenkian e o MEC (STP), nasce o Projecto de Expansão e Melhoria Qualitativa da Língua Portuguesa, da 1ª a 11ª classes. Elaboraram-se manuais escolares novos, substituindo os antigos no sector primário, onde os textos eram manifestamente de temática político-ideológica. Esperava-se portanto, que os novos manuais viessem solucionar o problema da degradação do ensino, sobretudo no domínio da Língua Portuguesa. Na verdade, tem-se verificado que algo deve ter falhado quanto à aplicação da nova metodologia: a do Português Língua Segunda. Com efeito, alguns estudos já realizados concluíram que os que aprenderam através do método tradicional durante o colonialismo, ou mesmo os que estudaram após a independência através dos métodos globais ([5]) ou do método analítico-sintético ([6]), quer na sua versão fónica, quer globalística, tanto um como o outro apresentam uma estrutura linguística mais bem organizada do que os contemplados pelo Projecto “Expansão e Melhoria Qualitativa do Ensino da Língua Portuguesa – República Democrática de S. Tomé e Príncipe/Fundação Calouste Gulbenkian” que também terá implementado os mesmos métodos.
Ora se o projecto foi um trabalho em que do ponto de vista didáctico-científico não se apontam defeitos, então por que razão os alunos acabam o primário e o secundário sem saber ler nem escrever correctamente? Por isso tem havido muitas perguntas e escassas respostas sobre este assunto.
Um dos perigos verificados no secundário relaciona-se com a questão da falta de recursos humanos qualificados na aplicação correcta da Metodologia do Português Língua Segunda. No entanto, a dúvida põe-se, quando tentamos estabelecer baliza entre estes dois conceitos: Língua Segunda e Língua Estrangeira.
Ora, se ao Francês e ao Inglês são aplicadas as metodologias de uma Língua Segunda/Língua Estrangeira, será que para o Português, bem ou mal falado em casa, na rua, nos meios de comunicação social (rádio, televisão), língua da escola e do discurso oficial do poder, deve ser aplicada a metodologia duma Língua Segunda em analogia com aquelas que só são usadas pontualmente durante o horário curricular nas salas de aula?
Suponho que a dificuldade do ensino e uso incorrecto da Língua Portuguesa parte duma avaliação metodológica que se pensou correcta, mas que havia contornos que deviam ser estudados com alguma profundidade. Então, para satisfazer o estudo da Gulbenkian/MEC, (tido como hipótese correcta), reduziram-se drasticamente os conteúdos programáticos em nome de estímulo à aprendizagem, permitindo que, actualmente, a estrutura do português ficasse mais fragilizada.
A Língua Portuguesa, perante uma outra língua mais produtiva, tem contribuído para que os alunos, confrontados com a situação de produzirem uma estrutura linguística mais complexa como por exemplo a realização dos clíticos, a coordenação e a subordinação, o infinitivo flexionado, a perifrástica, e outras, e não o podendo realizar em português, que se tornou muito mais simplificado, vão socorrer-se duma outra estrutura linguística diferente da do português, a do crioulo. É neste contacto entre línguas diferentes em que o falante é alfabetizado numa e utiliza outra para comunicar, que se gera a contaminação.
[1] Gomes, Aldónio; Cavacas, Fernanda; Martins, Maria Adelaide; Ribeiro, Maria Angélica; Ferreira, Maria José; Grilo, Maria Judite; Guia do Professor de Língua Portuguesa, I Vol, 3º Nível, Serviço de Educação e Bolsas – Fundação Calouste Gulbenkian, PP. 2-2, LISBOA, 1991.
[2] Cormary, Henri; Dicionário de Pedagogia, Verbo, pp. 279-280 – na sua perspectiva, a “pedagogia moderna ergueu-se com força contra o trabalho intelectual livresco. Houve um tempo em que o manual escolar estava no centro do esforço pedagógico. Constituía um élan entre a criança e a realidade exterior e tornava-se assim um instrumento de saber formal verbal. O risco de tal utilização do manual é uma certa preguiça do espírito. Conhecemos as críticas que Rousseau dirigia já ao uso do manual «Nada de outro livro que não seja o mundo»; «Os livros são para as crianças o instrumento da sua maior miséria». Desde então, toda a evolução da doutrina pedagógica, todos os arranjos e reajustamentos dos programas e das instruções encontram com frequência a sua origem na incansável guerra contra o ensino livresco. O apelo à observação e à experiência em todas as disciplinas, a introdução nos programas dos trabalhos práticos e manuais, os encorajamentos cada vez mais explícitos dados pelas instituições oficiais aos métodos activos e às técnicas do estudo do meio local, etc., não têm outro sentido. Todavia, essa condenação do ensino pelos manuais escolares não pode levar a desconhecer que existe uma autêntica educação pelo livro, dado que lhe saibamos dar o lugar que lhe convém no sistema educativo. Cormary, Henri; Dicionário de Pedagogia, Verbo, pp. 279-280).
[3] A este propósito, consultar Ançã, Helena (1999), Da Língua Materna à Língua Segunda, Universidade de Aveiro, Noesis 51 – Jul./Set. 1999-Dossier.
[4] Idem, pp. 279-280
[5] Cf. Gomes, Aldónio; Fernandes, Amadeu; Cavacas, Fernanda – Guia do professor de Língua Portuguesa, l Vol., 1º Nível – Serviço de Educação e Bolsas, Fundação Calouste Gulbenkian/Lisboa – segundo estes autores, os métodos analíticos ou globais apresentam as seguintes vantagens:
Despertam, na criança, gosto pela leitura, visto que esta é precedida da compreensão;
Desenvolvem, activamente, os hábitos necessários a uma boa leitura;
Provocam rapidez de compreensão;
Estão de harmonia com a função globalizadora da criança;
Evitam, com eficácia, os erros de concordância
[6] Idem
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